Justiça Federal reconhece imunidade tributária de IPTU de quilombo localizado em Canoas (RS)
10.07.2019 – Tributo Municipal.
A 9ª Vara Federal de Porto Alegre (RS) reconheceu o direito à imunidade tributária do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) ao Quilombo Chácara das Rosas, localizado na cidade de Canoas. A sentença, publicada na sexta-feira (21/6), é da juíza Clarides Rahmeier.
O Ministério Público Federal (MPF) ingressou com a ação contra o Município de Canoas observando que o Quilombo Chácara das Rosas representa a memória de um grupo formador da sociedade brasileira. Narrou que os moradores do local apresentaram, em audiência pública, a necessidade de imunidade tributária em função da ausência de capacidade contributiva e a natureza da propriedade por eles titularizada.
O autor afirmou que recomendou ao prefeito e ao secretário da Fazenda a declaração administrativamente da imunidade considerando as especificidades constitucionais das comunidades quilombolas. Também solicitou que o benefício foi estendido à Contribuição de Iluminação Pública.
Em sua defesa, o Município pontuou que o IPTU possui como fato gerador a propriedade ou posse do imóvel localizado na zona urbana. Argumentou que a existência de cláusula de inalienabilidade em relação aos imóveis conferidos às comunidades quilombolas não impossibilita a incidência de tributos sobre os bens.
O réu destacou ainda que não existe previsão de imunidade, mesmo que implicitamente, na Constituição Federal para as terras conferidas às comunidades quilombolas. Informou que Secretaria Municipal da Fazenda avaliou a possibilidade de conceder isenção, mas a municipalidade decidiu não editar lei criando a imunidade.
Patrimônio cultural
Ao analisar a legislação pertinente a matéria, a magistrada pontuou que, para além de atribuir aos remanescentes dos quilombos a propriedade das terras que ocupavam, também se declarou que estes imóveis constituem patrimônio cultural brasileiro por serem portadores de referência à ação e à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade. Para ela, o objetivo do legislador constituinte não foi o de conferir direito individual de propriedade civil, “mas o de criar um instituto que, ao mesmo tempo em que protege os modos de criar, fazer e viver dessa minoria étnica e cultural, permite, ao conferir a titularidade dos imóveis que ocupavam à coletividade e não ao indivíduo isolado, que essas comunidades tenham garantidas a sua reprodução física, social, econômico e cultural”.
Clarides ressaltou ainda que a Associação Remanescente de Quilombo Chácara das Rosas possui atividades ligadas à cultura e à arte. Segundo seu entender, deve ser dado tratamento idêntico ao concedido às instituições de educação e de assistência social.
“Não se pode dissociar cultura de educação, estando inseridas na expressão “instituições de educação” as “instituições culturais”. O Poder Público deve criar mecanismos no sentido de protegê-las e incentivá-las, já que constituem condição ‘sine qua non’ à existência de uma sociedade livre, justa, solidária, plural, democrática e formada por cidadãs e cidadãos com efetiva capacidade de exercício da cidadania, tudo em observância ao que estabelece a Constituição Federal da República Federativa do Brasil, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Tais conceitos, tão intimamente ligados, a requerer a proteção estatal, não podem, dentro da interpretação do art. 111 do CTN, ser desvinculados, a ponto de reconhecer que a educação merece maior proteção do que a cultura”, ressaltou.
A juíza também sublinhou que a origem da comunidade remonta a 1926 quando o local era uma área rural, mas que a crescente urbanização de Canoas fez com que, em 2009, recebesse a primeira titulação de quilombo urbano do Brasil. Ela salientou que a comunidade utiliza o imóvel para fins de moradia, inexistindo distribuição de renda entre os integrantes.
Para Clarides, “respeitados os requisitos previsto no art. 14 do CTN, deve ser reconhecida a imunidade tributária para a Associação Remanescente de Quilombo Chácara das Rosas sobre a cobrança de IPTU”. Já em relação à Contribuição de Iluminação Pública, ela frisou que possui natureza jurídica de tributo “sui generis” e que não há nenhuma hipótese constitucionalmente prevista para afastar esta cobrança.
“Dessa forma, entendo que para ocorrer a isenção de contribuição para custeio do serviço de iluminação pública – CIP, no caso em apreço, faz-se necessária a individualização das entidades familiares existentes no Quilombo Chácara das Rosas, para que seja possível auferir se cada uma delas se enquadra na hipótese legal, prevista na Lei Municipal nº 1.943/79, no seu art. 85-A, §5º”, concluiu.
Clarides julgou parcialmente procedente a ação para reconhecer o direito à imunidade tributária do IPTU e determinar a análise individualizada para verificar possível isenção da Contribuição de Iluminação Pública. Cabe recurso ao TRF4.
Fonte: Justiça Federal – 26/06/2019
Link: conam.com.br/GhN78k