Novos caminhos para rever condenações por improbidade culposa após o trânsito em julgado
18.08.2025 – Direito Público

Condenados definitivamente pela prática de ato de improbidade administrativa na modalidade culposa viram-se alijados da incidência da Lei nº 14.230/2021, em razão do julgamento do Tema de Repercussão Geral nº 1.199/STF (Recurso Extraordinário nº 843.989, rel. min. Alexandre de Moraes, julgado em 18/8/2022). O Supremo Tribunal Federal firmou entendimento no sentido de que a referida lei, ao revogar de forma autônoma a modalidade culposa de improbidade administrativa, não se aplicaria às ações já transitadas em julgado, mesmo em caso de condenações por culpa.
Não foram poucos os que tentaram o manejo da ação rescisória, ou mesmo da reclamação constitucional, com o objetivo de afastar a penalidade fundada em norma revogada. Contudo, o Judiciário demonstrou resistência em acolher esse tipo de pretensão sob o fundamento de que alterações legislativas ou jurisprudenciais não se enquadravam, de plano, nas hipóteses legais de cabimento da ação rescisória ou da reclamação.
Com os recentes julgamentos do Tema de Repercussão Geral nº 309 (Recurso Extraordinário nº 656.558, rel. min. Dias Toffoli, j. em 28/10/2024) e da Ação Rescisória nº 2.876/DF (rel. min. Gilmar Mendes, j. em 24/4/2025), ambos pelo STF, inauguram-se, contudo, novas perspectivas para a revisão dessas condenações transitadas em julgado, permitindo a rediscussão — seja pela via rescisória, seja mediante impugnação ao cumprimento de sentença — de decisões que impuseram sanções com base exclusivamente na modalidade culposa de improbidade administrativa.
A possibilidade de se alegar, em sede de impugnação ao cumprimento de sentença, a inexigibilidade de título judicial fundado em norma ou interpretação posteriormente declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal já encontrava amparo no artigo 525, § 12, do CPC, que dispõe ser
“inexigível a obrigação reconhecida em título executivo judicial fundado em lei ou ato normativo considerado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, ou fundado em aplicação ou interpretação da lei ou do ato normativo tido pelo Supremo Tribunal Federal como incompatível com a Constituição, em controle de constitucionalidade concentrado ou difuso.”
Todavia, essa possibilidade encontrava uma limitação, prevista no § 15 do referido dispositivo legal, pois, “se a decisão referida no § 12 for proferida após o trânsito em julgado da decisão exequenda, caberá ação rescisória, cujo prazo será contado do trânsito em julgado da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal” (destaquei).
Ou seja, uma vez reconhecida a inconstitucionalidade após o trânsito em julgado, o único caminho disponível seria a via restrita da ação rescisória — medida que exige, além da demonstração de enquadramento em alguma das hipóteses legais, a atribuição de valor à causa equivalente ao proveito econômico pretendido e o recolhimento prévio de 5% desse valor (artigo 968, II, CPC), entre outros requisitos formais.
Com o mencionado julgamento do Tema de Repercussão Geral nº 309/STF, ainda seria este o caminho viável, talvez único, tendo ali sido decidido, no que interessa, que “O dolo é necessário para a configuração de qualquer ato de improbidade administrativa (art. 37, § 4º, da Constituição Federal), de modo que é inconstitucional a modalidade culposa de ato de improbidade administrativa prevista nos artigos 5º e 10 da Lei 8.429/92, em sua redação originária”.
Novo fôlego
Vê-se que, em boa hora, na esteira do que já havia sido decidido liminarmente na MC na ADI 6.678/DF (rel. min. Gilmar Mendes, liminar deferida em 1/10/2021), em que se determinou a suspensão de vigência das penalidades de suspensão de direitos políticos previstas nos incisos II e III do artigo 12 da LIA, o STF decidiu declarar, expressamente, a inconstitucionalidade do ato culposo de improbidade, nos termos previstos pela Lei nº 8.429/92.
O Tema de Repercussão Geral nº 309/STF reacendeu, assim, a possibilidade de desconstituição de condenações fundadas exclusivamente em ato culposo de improbidade, conforme prescrito no artigo 525, § 15 do CPC, reabrindo o prazo de ajuizamento de ação rescisória.
Todavia, recentemente, o mesmo STF entendeu por dar mais um novo fôlego para essa discussão, entendendo que não se pode nem executar decisão baseada em norma declarada inconstitucional ou quando reconhecida a sua incompatibilidade com a Constituição, ainda que assim tenha ocorrido após o trânsito em julgado da condenação.
Se já era, então, possível, nos termos do § 12 do artigo 525 do CPC invocar, em impugnação ao cumprimento de sentença, a inexigibilidade do título judicial se a declaração de inconstitucionalidade ou incompatibilidade tivesse ocorrido ainda durante a tramitação do processo de conhecimento, agora, mesmo depois do trânsito, abriu-se a possibilidade de se tratar dessa discussão em sede de cumprimento de sentença, não apenas por rescisória.
Divisor de águas
Nesse sentido, a Ação Rescisória nº 2.876/DF representa verdadeiro divisor de águas sobre o tema: a Suprema Corte declarou a inconstitucionalidade do § 14 do artigo 525 do CPC, reconhecendo expressamente que é possível impugnar a exigibilidade do título judicial incompatível com a Constituição, inclusive por meio da impugnação ao cumprimento de sentença, mesmo que essa decisão seja posterior ao trânsito em julgado da condenação. Veja-se da tese ali firmada:
“1. Em cada caso, o Supremo Tribunal Federal poderá definir os efeitos temporais de seus precedentes vinculantes e sua repercussão sobre a coisa julgada, estabelecendo inclusive a extensão da retroação para fins da ação rescisória ou mesmo o seu não cabimento diante do grave risco de lesão à segurança jurídica ou ao interesse social.
2. Na ausência de manifestação expressa, os efeitos retroativos de eventual rescisão não excederão cinco anos da data do ajuizamento da ação rescisória, a qual deverá ser proposta no prazo decadencial de dois anos contados do trânsito em julgado da decisão do STF.
3. O interessado poderá apresentar a arguição de inexigibilidade do título executivo judicial amparado em norma jurídica ou interpretação jurisdicional considerada inconstitucional pelo STF, seja a decisão do STF anterior ou posterior ao trânsito em julgado da decisão exequenda, salvo preclusão” (Código de Processo Civil, artigos 525, caput, e 535, caput).
Na prática, isso significa que a condenação judicial por improbidade culposa, mesmo transitada em julgado, pode ser objeto de impugnação com base no artigo 525, § 1º, III, e §§ 12 a 15 do CPC, se ainda no prazo para ofertar a respectiva impugnação, para além da possibilidade de ajuizamento da ação rescisória. Há, portanto, respaldo normativo e jurisprudencial para alegar a inexigibilidade da obrigação exequenda, ainda que o título tenha se formado sob a égide de uma norma expurgada do ordenamento por manifesta inconstitucionalidade posteriormente à condenação transitada em julgado.
Essa compreensão se coaduna com a evolução do direito sancionador, que exige, cada vez mais, a observância estrita das garantias constitucionais. No caso, a supremacia da Constituição deve prevalecer inclusive contra a coisa julgada que se funda em norma declarada inconstitucional ou com ela incompatível, como bem ilustra a atual jurisprudência do STF.
Assim, a impugnação ao cumprimento de sentença surge como meio eficaz de cessar os efeitos de um título judicial que não mais se sustenta diante da nova ordem constitucional e legal. Trata-se de instrumento importante para a preservação da legalidade e da integridade do sistema jurídico, em consonância com princípios e garantias constitucionais.
Tratando-se 2026 de ano eleitoral, a discussão adquire contornos ainda mais relevantes. Isso porque as condenações por improbidade administrativa podem ensejar inelegibilidade, conforme previsto no artigo 1º, I, “l”, da Lei Complementar nº 64/90. Aquelas que transitaram em julgado, tendo ocasionado prejuízo ao erário e enriquecimento ilícito, ainda que na modalidade culposa, podem, agora, ser questionadas por meio da ação rescisória, ou, caso ainda seja possível, no próprio cumprimento de sentença.
Em resumo, esse reconhecimento da inexigibilidade da obrigação forjada sobre a inconstitucionalidade, ainda que reconhecida posteriormente à sua formação, preserva a coerência do ordenamento jurídico, mas também restabelece direitos políticos de cidadãos alcançados por decisões fundadas em bases normativas já declaradas inconstitucionais.
Fonte: Consultor Jurídico – 18.08.2025