PEC 66 pode fazer estoque de precatórios disparar e chegar a R$ 883 bi
12.08.2025 – Direito Público

O Brasil se encontra diante de um desafio persistente relacionado aos precatórios, as dívidas judiciais que o governo deve pagar a pessoas físicas e jurídicas.
Uma nova tentativa de reformar o regime de pagamento, a PEC 66, avança no Congresso visando reduzir os pagamentos devidos e eliminar o prazo final para quitação dos precatórios, buscando estabelecer um regime permanente de postergação de pagamentos.
No entanto, a proposta levanta discussões de impactos a longo prazo nas finanças públicas subnacionais. Um estudo do banco BTG Pactual delineia esse cenário.
Veja a íntegra do estudo.
Mais prazo, sem soluções
O estoque de precatórios de Estados e Municípios que estão em atraso chegou a R$ 193 bilhões no fim de 2024, sendo R$ 110,4 bilhões de responsabilidade dos governos estaduais e R$ 82,9 bilhões dos municipais.
O problema não é novo: há mais de uma década o Congresso tenta encontrar saídas para quitar essa dívida, mas as soluções adotadas até agora se limitaram a prorrogar prazos, sem resolver de forma estrutural o crescimento do passivo.
A mais recente tentativa, a PEC 66, já foi aprovada pela Câmara dos Deputados e voltou ao Senado, restando apenas a votação em segundo turno para encerrar a tramitação.
O texto altera profundamente o regime atual.
Pela proposta, o pagamento anual de precatórios terá um teto vinculado à receita corrente líquida de cada ente, e, onde o valor hoje pago ultrapassa esse limite, será possível reduzir os desembolsos.
Além disso, a PEC muda a forma de atualização monetária, inclusive para créditos já expedidos, que passariam a ser corrigidos pelo IPCA mais juros simples de 2% ao ano, limitado à taxa Selic. A medida, na prática, reduz a correção na maioria dos casos, desvalorizando os créditos reconhecidos judicialmente.
Outro ponto central é a revogação do prazo final hoje previsto para a quitação do estoque, 2029. Com isso, desaparece o horizonte temporal que ainda funcionava como estímulo para o adimplemento, abrindo caminho para um adiamento indefinido.
Embora o texto preveja sanções para quem não cumprir as regras, como suspensão de transferências voluntárias da União, sequestro de valores e responsabilização de prefeitos e governadores, o próprio desenho dos novos tetos faz com que a aplicação dessas punições seja pouco provável.
Estimativas
Segundo o documento do BTG, se a PEC 66 já estivesse em vigor em 2024, o total pago naquele ano teria sido 42% menor: cairia de R$ 30,7 bilhões para R$ 17,8 bilhões, uma redução de R$ 12,9 bilhões.
A maioria dos Estados seria beneficiada com a queda de desembolsos, com destaque para São Paulo, Paraná e Rio Grande do Sul. Entre os municípios, mais de 1,2 mil teriam os pagamentos limitados, representando 82% do total pago no ano, com destaque para a capital paulista.
As projeções indicam que, se aprovada, a PEC 66 fará o estoque de precatórios em atraso disparar, chegando a R$ 883 bilhões em 2035.
Essa conta só não seria maior devido à mudança no indexador, que “achata” o valor total da dívida, mas não por um esforço fiscal real, e sim pela redução imposta ao direito dos credores.
O relatório que embasa esses cálculos sustenta que a proposta repete elementos já rejeitados pelo STF e institucionaliza a postergação, comprometendo garantias constitucionais.
“Com tetos de pagamento baixos, correção monetária inferior ao custo do capital e ausência de um prazo final para quitação, a proposta transfere parte do custo do ajuste aos credores e consolida um regime de postergação permanente dos pagamentos. Ao institucionalizar o atraso sistemático, compromete garantias constitucionais como a coisa julgada, o direito de propriedade e a separação dos Poderes.”
Para os especialistas que assinam o estudo, o caminho deveria ser o oposto: reforçar o regime atual, criar instrumentos para ajuste fiscal efetivo e liberar recursos que permitam reduzir o passivo em um prazo compatível com os direitos reconhecidos judicialmente, em vez de flexibilizar as regras para todos, inclusive para entes que não têm dificuldades financeiras para pagar.
Histórico
Como dito, essa não é a primeira vez que o Congresso cria regimes especiais para precatórios.
Em 2009, a EC 62 instituiu um sistema de parcelamento por até 15 anos, derrubado pelo STF em 2013 por permitir o adiamento indefinido, ferindo a separação dos Poderes, a coisa julgada, o direito de propriedade e a isonomia entre credores.
Em 2016, a EC 94 tentou ajustar o modelo e determinou que os débitos fossem quitados até 2020, prazo que acabou prorrogado pela EC 99/17 para 2024 e, depois, pela EC 109/21 para 2029.
No âmbito Federal, a chamada PEC dos Precatórios (ECs 113 e 114/21) impôs um teto para pagamentos da União, o que gerou um acúmulo de cerca de R$ 60 bilhões em dívidas atrasadas. Parte dessas regras também foi declarada inconstitucional pelo STF, que ordenou a quitação do saldo até o fim de 2023.
Fonte: Migalhas – 12.08.2025