Registro de patente e inexigibilidade de licitação: limites jurídicos e cautelas
03.12.2024 – Licitações e Contratos.

O dever de licitar da administração pública, expresso na Constituição de 1988, busca a observância aos princípios da impessoalidade, moralidade e publicidade e a garantia de se obter a proposta mais vantajosa nas contratações, por meio da realização de procedimento concorrencial formal, que permita a participação de todos os interessados.
Eduardo García de Enterría e Tomás-Ramón Fernández lecionam que a concorrência nas contratações públicas “persegue uma dupla finalidade: proteger os interesses econômicos destes [entes públicos], suscitando em cada caso a máxima competição possível e garantir a igualdade de acesso à contratação […]” [1], motivo pelo qual o ordenamento jurídico estabelece a realização da licitação como regra a ser observada pela administração pública e como diretriz norteadora da interpretação jurídica sobre a matéria.
No entanto, diante da compreensão de que a licitação não é a única forma de realização do interesse público, sobretudo considerando-se a pluralidade de situações abrangidas pela atuação estatal e as vicissitudes da realidade, a ordem constitucional atribuiu às normas infraconstitucionais a possibilidade de fixação de exceções à realização de procedimento licitatório.
Nesse cenário, a Nova Lei de Licitações e Contratos (Lei n. 14.133/2021), seguindo a tendência da Lei nº 8.666/1993, estabeleceu as hipóteses de inexigibilidade e de dispensa de licitação, nos artigos 74 e 75, respectivamente.
Nesse sentido, Marçal Justen Filho afirma que “a contratação direta não significa o afastamento dos princípios básicos que orientam a atuação administrativa. Nem autoriza escolhas prepotentes ou arbitrárias”. Por essa razão, “o administrador está obrigado a seguir um procedimento administrativo determinado, destinado a assegurar (também nesses casos) a prevalência dos princípios jurídicos fundamentais”. Assim, “permanece o dever de realizar a melhor contratação possível, dando tratamento igualitário a todos os possíveis contratantes” [2].
Diante disso, o artigo 72 da Lei nº 14.133/2021 delineou o processo de contratação direta, trazendo de forma mais detalhada, em relação à legislação anterior, quais são seus documentos obrigatórios.
Para o presente estudo, importa destacar, entre as hipóteses de inexigibilidade de contratação, a inviabilidade de competição decorrente da ausência de alternativas para execução da necessidade estatal, quando a aquisição de materiais, de equipamentos ou de gêneros ou contratação de serviços só puderem ser fornecidos por produtor, empresa ou representante comercial exclusivos (artigo 74, I, da Lei nº 14.133/2021). Isso porque, o gestor público, em muitos casos, encontra dificuldades em definir a incidência do mencionado dispositivo, a exemplo das situações nas quais os fornecedores afirmam ser detentores de exclusividade para contratar determinado objeto, em razão da existência de patente.
Comprovação da inviabilidade de licitação
Tendo em vista que a realização da licitação é a regra, a configuração da hipótese de inexigibilidade em razão da inviabilidade de competição demanda justificativa técnica. A justificativa há de ser adequada de modo a demonstrar que a solução a ser contratada é a única apta a atender à pretensão contratual administrativa. Além disso, exige-se a demonstração cabal da exclusividade do contratante para fornecimento do bem, prestação do serviço ou execução da obra.
A argumentação de que há um fornecedor exclusivo e, portanto, ausência de pluralidade de opções, demanda, além da documentação constante no artigo 72 da Lei nº 14.133/2021, que sejam justificados tecnicamente os motivos pelos quais aquele objeto contratual é o único capaz de atender ao interesse público subjacente à contratação [3].
A nova legislação previu que a inviabilidade de competição, nesses casos, deverá ser demonstrada pela administração “mediante atestado de exclusividade, contrato de exclusividade, declaração do fabricante ou outro documento idôneo capaz de comprovar que o objeto é fornecido ou prestado por produtor, empresa ou representante comercial exclusivos, vedada a preferência por marca específica” (artigo 74, § 1º) [6].
Ressalta-se que, uma vez que a “inviabilidade de licitação é condição fática e momentânea que pode ser modificada ao longo do tempo”, a exclusividade deve ser comprovada a cada situação, com base nas circunstâncias específicas e relevantes do caso concreto, visto que “um mercado que possui fornecedor exclusivo hoje pode ser modificado com a entrada de novos participantes, o que retiraria a condição de exclusividade daquela empresa” [7].
Registro de patente e a exclusividade do fornecimento
No tocante à existência de patente que tutele a propriedade industrial, observa-se que tal fato, por si só, não é capaz de comprovar a exclusividade da prestação do serviço, fornecimento do bem ou execução da obra para fins de caracterização da inviabilidade de competição, de modo a possibilitar a contratação por inexigibilidade [8].
Isso porque, a Lei de Propriedade Industrial (Lei nº 9.279/1996) – ao conferir ao detentor da patente o direito de uso exclusivo – permitiu a autorização para que terceiros produzam, usem, coloquem à venda, vendam ou importem o produto patenteado (artigo 42, I). Portanto, pode haver “produtos patenteados produzidos por empresa exclusiva, mas distribuído e comercializado em regime de concorrência, pelo que se impõe licitação pública” [9]. Sendo assim, faz-se necessária a demonstração de que o contratado é fornecedor exclusivo do bem ou serviço.
O Tribunal de Contas da União já se manifestou no sentido de ser “irregular a contratação de empresa detentora da patente de determinado medicamento por inexigibilidade de licitação caso haja outras empresas por ela autorizadas à comercialização do produto, pois evidente a viabilidade de competição” [10].
Joel Menezes Niebuhr alerta para o fato de que mesmo que um produto ou serviço seja patenteado, pode ser que a patente se refira a características periféricas que não sejam fundamentais ao interesse público. O autor explica que “o produto pode ser patenteado em virtude de suas características periféricas, sem que se impeça cotejá-lo com outros produtos do mesmo gênero, que cumprem, da mesma maneira, a funcionalidade almejada pela Administração”. Assim, o ponto principal está na definição do objeto que se pretende contratar, pois se as características periféricas do produto patenteado não forem determinantes para realização do interesse público, “o registro da patente é imprestável para indicar a exclusividade e para justificar a contratação direta” [11].
Fonte: Consultor Jurídico – 02.12.2024