TCU reafirma: é irregular excluir licitante com base em interpretação restritiva do edital.
31.07.2025 – Licitação e Contrato

Representação formulada ao TCU apontou possíveis irregularidades no RDC Eletrônico 539/2023, promovido pelo Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) com vistas à construção da Ponte Internacional Rio Mamoré (Ponte Brasil-Bolívia). A controvérsia central residiu na análise da habilitação técnico-operacional do consórcio que ofertara a proposta de menor preço, tendo em vista que o edital exigira dos licitantes a comprovação da execução de, ao menos, uma obra de ponte ou viaduto com solução em extradorso ou estaiada, com extensão mínima de seiscentos metros e vão livre igual ou superior a sessenta metros. Ainda que os termos editalícios sinalizassem a necessidade de cumprimento dos requisitos por meio de atestados individualizados, o subitem 4.1.4.3 do instrumento convocatório, a seguir transcrito, expressamente autorizara o somatório de atestados entre empresas consorciadas: “No caso de CONSÓRCIO será permitido o somatório de 1 (um) atestado por empresa, os quais serão submetidos a uma ponderação na contabilização das quantidades atestadas em função do percentual de participação de cada empresa no consórcio, conforme equação constante no Anexo I da Instrução Normativa nº 58/DNIT-SEDE, de 17 de setembro de 2021”. Com base nessa autorização, o consórcio com proposta de menor preço apresentara três Certidões de Acervo Técnico (CAT), a saber: a) CAT 238388/2021, referente à reconstrução do vão central de ponte sobre o rio Moju/PA, do tipo estaiada, com extensão total de 268 metros, composto por dois vãos de 134 metros; b) CAT 440345/2020, alusiva à construção de ponte sobre o rio São Francisco/SE, com extensão total de 826 metros, com um vão de 91,5 metros, construído parcialmente em estrutura metálica em forma de arco, com estais, e o restante em concreto armado, com vigas pré-moldadas; e c) CAT 21801/2023, atinente à construção da ponte sobre o rio Madeira/RO, com solução em vigas pré-moldadas e balanços sucessivos, sem trecho estaiado, com extensão total de 1.517 metros. A partir da leitura que fez do edital, no sentido da inexistência de autorização para o somatório de atestados referentes a tecnologias construtivas distintas, sendo possível somente a soma de atestados de obras que empregassem a solução construtiva em extradorso ou estaiada, o Dnit assim examinara as CATs apresentadas pelo consórcio, culminando na sua inabilitação: a) CAT 238355/2021: “atenderia apenas parcialmente os critérios definidos no edital, pois não possui a extensão total mínima de 600 metros”; b) CAT 440345/2020: “a ponte em arco atirantada não é classificada na literatura como estaiada, e sua configuração é diferente da que se pretende construir, o que altera o comportamento estrutural da construção”; e c) CAT 21801/2023: “o sistema estrutural de vigas pré-moldadas, executadas pelo método balanço sucessivos, é diferente da ponte exigida (estaiada) para fins de comprovação técnica”. Por entender que o edital da licitação teria sido ambíguo e impreciso acerca da “possibilidade da somatória de atestados de metodologias diferentes”, e que, somados, “os atestados das obras executadas nos rios Moju e Madeira demonstrariam a capacidade técnica da licitante”, o Tribunal decidira, por meio do Acórdão 1775/2024-Plenário, determinar ao Dnit a anulação do ato de inabilitação do consórcio e de todos os atos posteriores, com o retorno do certame à fase de aceitação e julgamento das propostas, de modo a permitir o somatório de atestados que comprovassem, individualmente, a capacidade técnica nas tecnologias construtivas exigidas. Irresignado com a deliberação do TCU, o consórcio que havia sido declarado vencedor no RDC 539/2023 interpôs pedido de reexame. Ao apreciar a peça recursal, o relator destacou, em seu voto, que a situação dizia respeito, na verdade, a “conflito entre dois grupos de empresas privadas, na tutela de interesses econômicos particulares”, e que a autarquia concluíra tecnicamente pela necessidade da comprovação de experiência prévia em obra que atendesse, cumulativamente, aos seguintes requisitos: “extensão da ponte ou viaduto de ao menos 600m e vão livre de ao menos 60m e solução (extradorso ou estaiada)”. Considerando não haver dubiedade nas disposições editalícias quanto à proibição de soma de atestados, e não tendo o consórcio autor da representação no TCU apresentado atestado de capacidade técnica que comprovasse o atendimento aos requisitos constantes do instrumento convocatório, o relator reputou correta a decisão de inabilitação adotada pelo Dnit, propondo ao colegiado o provimento do pedido de reexame para, reformando o acórdão recorrido, julgar improcedente a representação. Divergindo do relator, um dos ministros revisores sustentou que o Dnit conferira interpretação excessivamente rigorosa e restritiva aos termos do edital, ao inferir que não havia previsão para o somatório de atestados referentes a tecnologias construtivas distintas. De acordo com esse revisor, era fundamental perceber que a ponte sobre o Rio Mamoré deveria ser executada com duas metodologias distintas, isto é, em seu vão central, de 120 metros de comprimento, a estrutura seria do tipo extradorso ou estaiada, ao passo que nos trechos remanescentes, com cerca de 1.100 metros, seria adotada solução convencional, com vigas pré-moldadas. Nesse contexto, e à luz da literalidade do edital, a interpretação mais razoável seria “aquela que admite, para fins de comprovação da capacidade técnica do licitante, a experiência prévia com a construção de pontes com ambas as tecnologias, cujas extensões e métodos construtivos sejam compatíveis com as exigências do certame” (negritos do relator). Destarte, seria possível, a seu ver, a aceitação de atestados separados para cada tipo de solução prevista, ou seja, “uma, mais complexa (estaiada); outra, mais extensa (vigas pré-moldadas)”. Nessa hipótese, prosseguiu o aludido revisor, o simples somatório do atestado referente à ponte sobre o Rio Moju/PA com qualquer um dos dois outros atestados apresentados mostrar-se-ia “suficiente para atender ao critério técnico-operacional e, assim, habilitar a proposta de menor preço”. Na sequência, ele chamou a atenção para o entendimento consolidado do TCU no sentido de que a vedação ao somatório de atestados técnicos deve ser medida excepcional, adotada apenas quando a complexidade do objeto assim o exigir e desde que não comprometa a competitividade, sob pena de infringir os princípios que norteiam o processo licitatório, a exemplo dos Acórdãos 2605/2016 e 134/2017, ambos do Plenário, e 6219/2016-2ª Câmara. A corroborar sua assertiva, julgou oportuno transcrever o entendimento consubstanciado no Acórdão 7105/2014-2ª Câmara: “A vedação ao somatório de atestados, para o fim de comprovação da capacidade técnico-operacional, deve estar restrita somente aos casos em que o aumento de quantitativos acarretarem, incontestavelmente, o aumento da complexidade técnica do objeto ou uma desproporção entre quantidades e prazos de execução, capazes de exigir maior capacidade operativa e gerencial da licitante e ensejar potencial comprometimento da qualidade ou da finalidade almejadas na contratação, devendo a restrição ser justificada técnica e detalhadamente no respectivo processo administrativo”. Após ressaltar que o consórcio que havia sido inabilitado pelo Dnit apresentara proposta com valor cerca de R$ 5 milhões inferior ao ofertado pelo então segundo colocado, posteriormente declarado vencedor na disputa, o referido revisor fez questão de enfatizar que o entendimento por ele defendido não implicaria, de forma alguma, modificação das exigências editalícias, uma vez que, no caso em tela, não se tratava de alterar o instrumento convocatório, mas sim de garantir-lhe interpretação “conforme à lei, à jurisprudência do TCU, aos próprios termos do edital e ainda condizente com as características da obra a ser executada”. Em outras palavras, “assegurar que a interpretação das regras editalícias, que certamente pautou o comportamento de todos os interessados no certame, prevaleça”. Ao final, o relator propôs, e o Plenário decidiu, negar provimento ao pedido de reexame, mantendo-se o Acórdão 1775/2024-Plenário em seus exatos termos. Acórdão 1466/2025 Plenário, Pedido de Reexame, Revisor Ministro Jorge Oliveira.
Fonte: TCU