Vedada a existência paralela de sistemas para o Siafic, cujo responsável é o Executivo
30.04.2025 – Planejamento, Orçamento e Gestão.

O Tribunal de Contas do Estado do Paraná (TCE-PR) reforçou o entendimento de que é vedada a existência paralela de sistemas computacionais para atendimento do Sistema Único e Integrado de Execução Orçamentária, Administração Financeira e Controle (Siafic); e de que compete ao Poder Executivo implantar, manter e gerir o sistema.
Esse posicionamento está de acordo com as disposições do artigo 48, parágrafo 6º, da Lei Complementar nº 101/00 (Lei de Responsabilidade Fiscal – LRF) e do artigo 1º, parágrafo 1º, do Decreto nº 10.540/20. O TCE-PR já havia entendido dessa forma ao responder Consulta por meio do Acórdão nº 3413/21 – Tribunal Pleno.
As câmaras municipais detêm plena legitimidade para fiscalizar eventuais irregularidades na execução da prestação de serviços de fornecimento de softwares contábeis para gerenciamento do Siafic; e, se for o caso, sustar os respectivos contratos firmados pelo Poder Executivo, nos termos do artigo 31 da Constituição Federal e do artigo 75, parágrafo 1º, da Constituição do Estado do Paraná, além de notificar o gestor e o fiscal do contrato para que adotem as providências cabíveis previstas na Lei de Licitações (Lei nº 14.133/21).
Esta é a orientação do Pleno do TCE-PR, em resposta à Consulta formulada pela Câmara Municipal de Ibiporã, por meio da qual questionou se, em caso de dificuldade extrema com os serviços prestados por empresa fornecedora de software contábil contratada pelo Executivo Municipal para atendimento do Siafic, seria possível a contratação de empresa independente para fornecimento desse software, com a finalidade de uma melhor prestação de serviço.
Instrução do processo
A então Coordenadoria de Gestão Municipal (CGM) do TCE-PR afirmou que é dever do Poder Executivo adquirir ou desenvolver, implantar, manter e gerenciar o Siafic, que deveria ser disponibilizado e utilizado, obrigatoriamente, a partir de 1º de janeiro de 2025, por todos poderes e órgãos referidos nos termos do Decreto Federal nº 11.644/23, no seu artigo 20, incluídos autarquias, fundações públicas, empresas estatais dependentes e fundos da respectiva unidade federativa, com ou sem rateio de custos, sendo vedada a existência paralela de outros sistemas computacionais com a mesma finalidade; e que deve ser observada a regulamentação do Decreto Federal nº 10.540/20 ou de outro que venha a substituí-lo.
A CGM ressaltou que, caso ocorra a ineficiência no serviço, o fiscal e o gestor do contrato devem adotar as medidas previstas no contrato e na legislação, ao tomarem conhecimento das falhas na entrega do objeto contratado, sob pena de responsabilidade, além daquelas decorrentes do poder de autotutela do poder público, que visa garantir o atendimento ao interesse público.
O Ministério Público de Contas do Paraná (MPC-PR) concordou com o posicionamento da unidade técnica. O órgão ministerial acrescentou que, quanto à ineficiência do sistema, as câmaras municipais detêm plena legitimidade para fiscalizar eventuais irregularidades na execução da prestação de serviços de fornecimento de softwares contábeis para gerenciamento do Siafic; e, se for o caso, sustar os respectivos contratos firmados pelo Poder Executivo e acionar o fiscal e gestor do contrato para que adotem as providências previstas na Lei de Licitações.
Legislação, jurisprudência e doutrina
O artigo 31 da Constituição Federal expressa que a fiscalização do município será exercida pelo Poder Legislativo Municipal, mediante controle externo, e pelos sistemas de controle interno do Poder Executivo Municipal, na forma da lei.
O parágrafo 1º desse artigo fixa que o controle externo da Câmara Municipal será exercido com o auxílio dos Tribunais de Contas dos Estados ou do Município ou dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municípios, onde houver.
O artigo 75 da Constituição do Estado do Paraná estabelece que o controle externo, a cargo da Assembleia Legislativa, será exercido com o auxílio do TCE-PR. O parágrafo 1º desse artigo dispõe que, no caso de contrato, o ato de sustação será adotado diretamente pela Assembleia Legislativa, que solicitará, de imediato, ao Poder Executivo as medidas cabíveis.
O artigo 20 da LRF trata dos poderes Legislativo, incluído os Tribunais de Contas; Judiciário e Executivo, além do Ministério Público da União e dos Estados.
O artigo 48 da LC nº 101/00 dispõe que são instrumentos de transparência da gestão fiscal, aos quais será dada ampla divulgação, inclusive em meios eletrônicos de acesso público: os planos, orçamentos e leis de diretrizes orçamentárias; as prestações de contas e o respectivo parecer prévio; o Relatório Resumido da Execução Orçamentária e o Relatório de Gestão Fiscal; e as versões simplificadas desses documentos.
O parágrafo 6º do artigo 48 da LRF dispõe que todos os poderes e órgãos do ente da federação, incluídos autarquias, fundações públicas, empresas estatais dependentes e fundos, devem utilizar sistemas únicos de execução orçamentária e financeira, mantidos e gerenciados pelo Poder Executivo, resguardada a autonomia.
Os incisos II e III do parágrafo 1º desse artigo estabelecem, respectivamente, que a transparência será assegurada também mediante a liberação ao pleno conhecimento e acompanhamento da sociedade, em tempo real, de informações pormenorizadas sobre a execução orçamentária e financeira, em meios eletrônicos de acesso público; e a adoção de sistema integrado de administração financeira e controle, que atenda a padrão mínimo de qualidade estabelecido pelo Poder Executivo da União e ao disposto no artigo 48-A.
O artigo 48-A da LRF expressa que, para os fins a que se refere o inciso II do parágrafo 1º do artigo 48, os entes da federação disponibilizarão a qualquer pessoa física ou jurídica o acesso a informações referentes à despesa e à receita.
O inciso I desse artigo fixa que, quanto à despesa, devem ser disponibilizados todos os atos praticados pelas unidades gestoras no decorrer da execução da despesa, no momento de sua realização, com a disponibilização mínima dos dados referentes ao número do correspondente processo, ao bem fornecido ou ao serviço prestado, à pessoa física ou jurídica beneficiária do pagamento e, quando for o caso, ao procedimento licitatório realizado.
O inciso II do artigo 48-A da LRF dispõe que, quanto à receita, devem ser disponibilizados o lançamento e o recebimento de toda a receita das unidades gestoras, inclusive referente a recursos extraordinários.
O Decreto Federal nº 10.540/20 regulamenta o padrão mínimo de qualidade do Siafic. Seu artigo 1º fixa que a transparência da gestão fiscal de todos os entes federativos em relação à adoção do sistema será assegurada pela observância do padrão mínimo de qualidade estabelecido no decreto e das disposições da LRF.
O parágrafo 1º do artigo 1º do Decreto Federal nº 10.540/20 expressa que o Siafic corresponde à solução de tecnologia da informação mantida e gerenciada pelo Poder Executivo, incluídos os módulos complementares, as ferramentas e as informações dela derivados, utilizada por todos os poderes e órgãos, incluídas as defensorias públicas de cada ente federativo, resguardada a autonomia, e tem a finalidade de registrar os atos e fatos relacionados com a administração orçamentária, financeira e patrimonial.
O parágrafo 3º desse mesmo artigo dispõe que o Siafic será mantido e gerenciado pelo Poder Executivo, que tem a responsabilidade pela contratação ou desenvolvimento; pela manutenção e atualização do sistema; e pela definição das regras contábeis e das políticas de acesso e segurança da informação aplicáveis aos poderes e aos órgãos de cada ente federativo, com ou sem rateio de despesas.
O parágrafo 4º do artigo 1º estabelece que o Poder Executivo observará a autonomia administrativa e financeira dos demais poderes e órgãos; e não interferirá nos atos do ordenador de despesa para a gestão dos créditos e recursos autorizados na forma da legislação e em conformidade com os limites de empenho e o cronograma de desembolso estabelecido e nos demais controles e registros contábeis de responsabilidade de outro poder ou órgão.
O parágrafo 6º desse artigo fixa que o Siafic será único para cada ente federativo e permitirá a integração com outros sistemas estruturantes, vedada a existência de mais de um Siafic no mesmo ente federativo, mesmo que estes permitam a comunicação, entre si, por intermédio de transmissão de dados.
O artigo 2º do Decreto Federal nº 10.540/20 define sistema único como o sistema informatizado cuja base de dados é compartilhada entre seus usuários, observadas as normas e os procedimentos de acesso, e que permite a atualização, a consulta e a extração de dados e de informações de maneira centralizada; e sistema integrado como o sistema informatizado que permite a integração ou a comunicação, sem intervenção humana, com outros sistemas estruturantes cujos dados possam afetar as informações orçamentárias, contábeis e fiscais, como controle patrimonial, arrecadação e contratações públicas.
O artigo seguinte (3º) expressa que os procedimentos contábeis do Siafic observarão as normas gerais de consolidação das contas públicas, relativas à contabilidade aplicada ao setor público e à elaboração dos relatórios e demonstrativos fiscais. Seu parágrafo único dispõe que os entes federativos poderão editar normas contábeis específicas relativas ao Siafic, estabelecidas, preferencialmente, por ato do órgão central de contabilidade ou do gestor responsável, pertencente à estrutura da administração pública do respectivo ente, sem prejuízo das determinações expedidas pelos órgãos de controle interno e externo.
O artigo 9º do Decreto Federal nº 10.540/20 estabelece que, sem prejuízo da exigência de características adicionais no âmbito de cada ente federativo e do que dispuser o órgão central de contabilidade da União, os requisitos tecnológicos do padrão mínimo de qualidade do Siafic.
O artigo 11º desse decreto que regulamenta o Siafic fixa que o sistema deverá ter mecanismos de controle de acesso de usuários baseados, no mínimo, na segregação das funções de execução orçamentária e financeira, de controle e de consulta, e não será permitido que uma unidade gestora ou executora tenha acesso aos dados de outra, com exceção de determinados níveis de acesso específicos definidos nas políticas de acesso dos usuários.
O Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento da Ação Direta de Constitucionalidade nº 2.238 em relação ao Siafic, entendeu que a previsão de estratégias de harmonização no texto constitucional com a finalidade de garantir o imprescindível equilíbrio federativo também encontra explicação em razões econômicas, que deram ensejo ao denominado federalismo fiscal. Assim, o STF concluiu pela inexistência de concentração do poder em um único e onipotente órgão e a presença de diversos mecanismos constitucionais de controles recíprocos.
Ainda de acordo com a decisão do STF, os órgãos exercentes das funções estatais, para serem independentes e conseguirem frear uns aos outros, com verdadeiros controles recíprocos, necessitam de certas garantias e prerrogativas constitucionais; e tais garantias são invioláveis e impostergáveis, sob pena de ocorrer desequilíbrio entre eles e desestabilização do governo.
O Acórdão nº 3413/21 – Tribunal Pleno do TCE-PR (Consulta nº 129746/21) dispõe que é possível a contratação conjunta do Siafic por diferentes poderes de um ente federativo, mas que é dever do Poder Executivo de cada ente da federação adquirir ou desenvolver, implantar, manter e gerenciar o Siafic, que deveria ter sido disponibilizado e utilizado, obrigatoriamente, a partir de 1º de janeiro de 2023.
Esse acórdão também expressa que o sistema deverá ser utilizado por todos os poderes e órgãos, incluídos autarquias; fundações públicas; empresas estatais dependentes e fundos de unidade federativa, com ou sem rateio de custos. Além disso, é vedada a existência paralela de outros sistemas computacionais com a mesma finalidade; e deve ser observada a regulamentação do Decreto Federal nº 10.540/20 ou de outro que venha a substituí-lo.
Finalmente, a decisão estabeleceu que o Poder Executivo de cada unidade federativa tem apenas as atribuições de disponibilização, manutenção e gerenciamento do Siafic. Assim, não há concentração de gestão em um único poder e nem invasão às garantias e prerrogativas constitucionais e legais dos demais integrantes da unidade federativa. Portanto, a compra conjunta não caracteriza violação à independência dos demais poderes.
O Acórdão nº 500/24 – Tribunal Pleno do TCE-PR (Consulta nº 733779/22) fixou o entendimento de que, caso o Poder Executivo não implante o Siafic no prazo previsto pelo Decreto nº 10.540/20, o Poder Legislativo está excepcionalmente autorizado a licitar o serviço, em razão da necessidade de garantir a transparência da gestão fiscal.
Esse acórdão também estabeleceu que, de forma excepcional, o Poder Legislativo poderá contratar sistema integrado. Mas o contrato deve contemplar cláusula resolutiva, para permitir a sua extinção quando a implantação da solução de tecnologia da informação estiver completa, pois o sistema deverá ser mantido e gerenciado pelo Poder Executivo.
De acordo com o entendimento do Tribunal de Contas do Estado do Espírito Santo (TCE-ES), todos os órgãos e entes de cada unidade federativa devem utilizar o sistema único de execução orçamentária e financeira e o Poder Executivo de cada uma das unidades federativas é quem deverá manter e gerenciar o referido sistema.
José Afonso Silva, em sua obra Curso de Direito Constitucional Positivo, afirma que a independência dos poderes significa que a investidura e a permanência das pessoas num órgão do governo não dependem da confiança nem da vontade dos outros; no exercício das atribuições que lhes sejam próprias, não precisam os titulares consultar os outros nem necessitam de sua autorização; e, na organização dos respectivos serviços, cada um é livre, observadas apenas as disposições constitucionais e legais. Ele ressalta que nem a divisão de funções entre os órgãos do poder nem a sua independência são absolutas, pois há interferências que visam o estabelecimento de um sistema de freios e contrapesos, em busca do equilíbrio necessário à realização do bem da coletividade e indispensável para evitar o arbítrio e o demando de um em detrimento do outro e especialmente dos governados.
Decisão
Em seu voto, o relator do processo, conselheiro Augustinho Zucchi, acolheu as manifestações da então CGM e do MPC-PR quanto à impossibilidade da contratação paralela de sistemas pela câmara municipal.
A decisão, tomada na Sessão de Plenário Virtual nº 12/25 do Tribunal Pleno do TCE-PR, concluída em 3 de julho, está expressa no Acórdão nº 4283/24, disponibilizado em 16 de julho, na edição nº 3.484 do Diário Eletrônico do TCE-PR.
Fonte: TCE PR – 29.04.2025