Volume de ações de improbidade despenca 46% com a reforma na lei
12.09.2025 – Servidor Público

A reforma da Lei de Improbidade Administrativa (Lei 8.429/1992), promovida pela Lei 14.230/2021, ainda gera debate no Judiciário. Há quem celebre a nova legislação, alegando que a reforma delimitou de forma mais objetiva a responsabilização de agentes públicos, garantindo maior segurança jurídica. Outra corrente entende que a reforma resultou no enfraquecimento dos instrumentos de combate à corrupção.
Levantamento feito pelo Anuário da Justiça com base nos dados do DataJud, o painel de estatísticas do CNJ, mostra que o número de demandas relacionadas à improbidade vem caindo gradativamente na Justiça Federal desde a vigência da nova LIA, no fim de 2021. Em 2024, o volume desses processos despencou 46% em comparação com o ano de 2021. Foram 5,4 mil ações, contra dez mil no ano pré-reforma.
Entre as alterações mais significativas promovidas pela reforma, estão a revogação da possibilidade de punição por condutas culposas e a exigência de dolo específico para a configuração dos atos de improbidade (artigo 1º, parágrafo 2º). Isso significa que os atos descritos nos artigos 9º, 10 e 11 da lei, referentes a enriquecimento ilícito, prejuízo ao erário e violação aos princípios da administração pública, só podem ser punidos se houver prova clara de intenção deliberada.
Outra alteração relevante foi a taxatividade das condutas previstas no artigo 11, que passou a listar expressamente os atos que violam os princípios administrativos. “Com isso, situações gravíssimas, antes reconhecidas como improbidade (desobediência, assédio sexual, tortura, perseguição funcional, denunciação de má-fé, entre outros), não podem mais ser enquadradas na Lei de Improbidade”, diz Cibele Benevides, desembargadora do TRF-5 e ex-procuradora da República.
Para Cid Marconi (TRF-5), a reforma da LIA resultou em maior uniformização dos julgados, reduziu o número de ações e incentivou soluções administrativas. “As mudanças impuseram maior ônus probatório aos acusadores, o que contribuiu para uma redução na judicialização da matéria e na valorização de soluções administrativas.”
A ênfase na tipicidade e na comprovação de dolo, segundo Theophilo Miguel Filho (TRF-2), trouxe maior clareza normativa. “As normas sancionadoras da LIA apresentam-se mais descritivas, portanto, menos abertas, o que resulta em maior segurança jurídica”, afirmou.

Membros do MP apontam que as novas regras afrouxaram a força punitiva da lei. Para Ronaldo Pinheiro de Queiroz, procurador regional do MPF na 3ª Região, o artigo 11 suscitava controvérsia, mas a saída adotada foi excessiva. “Concordo que merecia uma revisão. No entanto, a diferença entre remédio e veneno está na dose, e parece que, neste caso, a dose foi alta demais.”
“Está havendo um cuidado maior por parte do MP. Não adianta apenas jogar o fato e levantar, supostamente, uma situação esquisita. A nova lei deixou os autores das demandas mais espertos em relação à produção de provas. Não existe uma presunção de que o réu, por ter praticado uma conduta como dispensa de licitação, por exemplo, agiu em desfavor da administração”, avaliou o desembargador Carlos Delgado, do TRF-3.
As críticas à nova LIA não se resumem ao MP, que precisou aprimorar os métodos persecutórios para responsabilizar agentes públicos. Para Roberto Wanderley Nogueira (TRF-5), a exigência de dolo específico, “funciona, na prática, como verdadeiro salvo-conduto para práticas administrativas desviantes”. “A reforma não passa de um instrumento muito sutil e subliminar de blindagem institucional, travestido de modernização, mas que, em essência, é um ataque direto aos pilares do princípio da moralidade pública expresso em ações civis próprias que visam a realização efetiva do interesse público”, entende.
Para Guilherme Calmon, do TRF-2, a queda no número de novos casos na Justiça Federal depõe contra a nova LIA. “É de se repensar se a alteração legislativa foi benéfica ao sistema de Justiça”, disse ao Anuário da Justiça.
A partir da reforma da LIA, o Judiciário passou a lidar com um novo desafio: o cumprimento do prazo de prescrição intercorrente, mecanismo que passou a integrar o regime prescricional da improbidade. Em 2025, juízes e tribunais de todo o país concentram esforços para julgar um estoque de 36.268 ações distribuídas até 26 de outubro de 2021, data da publicação da nova LIA.
Essas ações precisam ser julgadas até 26 de outubro de 2025, sob pena de serem atingidas pela prescrição intercorrente, conforme fixado pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do ARE 843.989 (Tema 1.199). A prescrição intercorrente consiste em um novo prazo de quatro anos. É um complemento à prescrição original de oito anos prevista no artigo 23 da nova lei, contada a partir da ocorrência do fato ou, no caso de infrações permanentes, do dia em que cessou a permanência.
Pela nova LIA, o reinício da contagem do prazo prescricional pode ser acionado em cinco situações: com o ajuizamento da ação; publicação da sentença condenatória; publicação de acórdão de TJ ou TRF que confirmar sentença condenatória ou que reformar sentença de improcedência; publicação de decisão ou acórdão do STF e do STJ com efeito semelhante.
Como a nova lei entrou em vigor em 26 de outubro de 2021, o primeiro ciclo de prescrição intercorrente se encerrará em 26 de outubro de 2025. Segundo o CNJ, na Justiça Federal, o volume total a ser julgado até esta data é de 8.209 processos, sendo 5.463 no primeiro grau, 2.741 no segundo grau e cinco em juizados especiais. Há ainda 99 processos a serem julgados pelo STJ.
Fonte: Consultor Jurídico – 12.09.2025