Aventureiros em Licitações: Entre a Falta de Planejamento e o Abuso de Direito
01.09.2025 – Licitação e Contrato

* Alexandre Manir Figueiredo Sarquis
As licitações públicas atraem atenção pela magnitude de recursos envolvidos e pela promessa de oportunidades isonômicas para quem deseja fornecer ao Estado. Contudo, emparelhados a licitantes sérios e preparados, surgem também aqueles que vem aos certames sem a devida capacidade, estrutura ou mesmo intenção legítima de contratar. Vulgarmente são conhecidos como “aventureiros”, mas ainda são um tipo
desconhecido, cumprindo papel de espantalho argumentativo em certos casos. A presença desses atores é um desafio constante para os agentes de contratação. Não se pode confundi-los com os empreendedores legítimos, que buscam conquistar mercados e negócios, mas precisamos identificar adequadamente os intrusos
despreparados, sem tolerar práticas que comprometam a isonomia, a eficiência e a própria credibilidade do sistema. Há um equilíbrio sutil entre inclusão e exclusão, entre democratização do acesso e preservação da seriedade, e esse equilíbrio é a chave que motivará nosso debate.
A Lei nº 14.133/2021 oferece instrumentos variados para lidar com o fenômeno: desde exigências de habilitação técnica e econômico-financeira, passando por garantia de proposta, até um sistema sancionatório em que a culminância é a declaração de inidoneidade, com exclusão da pessoa jurídica de futuras disputas licitatórias. O uso desses mecanismos exige precisão e proporcionalidade: tanto o excesso quanto a
omissão são nocivos. Este artigo propõe-se a examinar quem são os chamados aventureiros, por que nem todos merecem ser repelidos, e quais são os instrumentos que a legislação disponibiliza para filtrar desatentos, responsabilizar os imprudentes e excluir os fraudadores. Também se abordará o que não deve ser feito: medidas que, sob o pretexto de afastar aventureiros, sacrificam a competitividade e o espírito republicano das contratações públicas.
Aventureiros: quem são?
A palavra “aventureiro” é atécnica, impregnada de uma retórica evidente: sugere um intruso e arruaceiro, aquele que aparece sem aviso senão para tumultuar o certame. Não raras vezes, paira sobre eles uma sombra de suspeição exagerada, que acaba contaminando os novatos no campo dos negócios públicos: a falta de experiência com o jogo das licitações e a ausência dos atestados de habilitação transforma o recém
chegado em malfeitor acantonado em meio a pessoas de bem. É verdade que há notícias preocupantes de organizações criminosas operando em licitações públicas; mas não é dado presumir criminalidade onde há apenas desorganização. Ao pregoeiro não cabe o papel de investigador ou inquisidor, mas o de fiel aplicador da lei. Qualquer tentativa de transformar mera suspeita em inabilitação fora das hipóteses legais esbarra no risco de arbitrariedade – o que seria, ironicamente, tão grave quanto a própria fraude que se propõe a evitar.
De outro lado, nem todo “novo entrante” pode ser tachado de aventureiro, principalmente em um panorama em que as modalidades eletrônicas e a divulgação unificada no Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP) democratizaram o acesso às contratações públicas. O simples fato de que a praça do principal estabelecimento
comercial do licitante ser distante da sede do órgão público não basta para intitular o licitante de aventureiro, nem deve inibi-lo de disputar o contrato.
Uma das virtudes do sistema licitatório é, justamente, permitir mobilidade entre mercados, abrindo espaço para que empresas potencialmente aptas disputem oportunidades antes restritas a nichos tradicionais. O empreendedor que decide expandir sua atuação para localidade ou ramo distinto, desde que atenda aos requisitos de habilitação, não deve ser rechaçado: seria um aventureiro que não o é. O direito administrativo não embaralha ousadia empresarial com temeridade irresponsável.
Os verdadeiros aventureiros, por sua vez, assumem múltiplas formas. Há os inexperientes, que participam sem sequer conhecer o edital. Há os desorganizados, incapazes de apresentar documentos básicos. Há os de má-fé, que se valem de expedientes ilícitos, como falsificação de atestados ou lances irracionais para
desestabilizar o certame. Em meio àqueles que simplesmente se lançam para “aprender”, sem preparo para as
licitações, devemos discernir aqueles sem reais intenções de contratar – um equívoco que prejudica tanto a Administração quanto a competição leal. Há outros melhor identificados como irresponsáveis, pois de fato pretender contratar, apostando que travar um contrato de grande magnitude criará os próprios meios para sua conclusão, inexistentes ao tempo da proposta.
Felizmente a lei dispõe de remédios para todos esses: a inabilitação do desatento, a sanção ao fraudador, a exigência de garantias para os irresponsáveis. Apenas para o empreendedor sincero, que busca um novo mercado, não cabe nenhuma reprimenda.
Muito pelo contrário! A lei comanda sua acolhida, bastando que satisfaça o riscado editalício. O sistema de licitações é inspirado na República, não é clube fechado, não aceita panela e nem forma patota: é uma arena regulada de competição franca sob a batuta de um árbitro justo, o pregoeiro.
Por que (não) queremos aventureiros?
Pois então: nem todo aventureiro é problema. Há aqueles que, na verdade, sopram vitalidade na disputa: empreendedores que se lançam em nova praça ou em novo ramo, trazendo alternativas antes inexistentes. Esses “aventureiros legítimos” ampliam a oferta de bens e serviços, aumentam a concorrência e pressionam os preços para baixo, beneficiando a Administração e o interesse público. Mas por que correr o risco de excluir um empreendedor legítimo que seja? Alguém poderia convencer a administração pública a tolerar todos os aventureiros, pois, na pior das hipóteses, reduziriam preços para a administração pública. Por que não?
O problema com os aventureiros é que seu ingresso no certame mais prejudica que beneficia. São empresas incapazes de concluir contratos e que, para sobreviver, recorrem a expedientes desgastantes: peticionam por reequilíbrios contratuais sem fundamento, pedem aditivos abusivos para compensar o preço artificialmente reduzido, ou simplesmente abandonam a execução. Para a Administração, o resultado é o mesmo: atraso, sobrecarga burocrática e perda de eficiência, sem satisfação do interesse público – além das inúmeras explicações exigidas pelos órgãos de controle pelas obras abandonadas.
A cada certame em que o incauto participa, proliferam expedientes administrativos ociosos: sessões prorrogadas para verificar amostras, diligências para sanar falhas documentais, análises que consomem tempo e recursos, no mais das vezes redundando em inabilitações em série. Em casos mais graves, sua presença pode levar à anulação e perda de todo o procedimento licitatório – que não é gratuito para a administração
pública –, tudo em frustração da necessidade pública que originalmente agitou o
certame.
E ainda há prejuízos de outra ordem. Ao mergulhar no preço, um licitante sem real interesse de contratar com a administração pública pode estar dissimulando a real disputa que ocorrerá em lances intermediários, afastada do escrutínio propiciado pela ordem direta dos fatos. Por exemplo, ao desistir do contrato somente após convocado, acaba por beneficiar algum outro participante até então oculto, que, com o desistente,
havia confabulado. Tolerar qualquer conduta pode propiciar comportamento anticoncorrencial.
Desse mosaico de perfis, do inexperiente ao fraudador, do desorganizado ao ousado, surge um desafio: distinguir sem rotular. Só assim a Administração evita a um só tempo dois erros graves em iguais medidas. De um lado, não pode excluir os empreendedores que devem competir, de outro, não deve tolerar quem não teria condições de concluir o contrato com seriedade e merece ser alijado o quanto antes. Quais os mecanismos
que a Lei nº 14.133/2021 dispõe? Que fazer?
Que fazer com os desatentos: análise do objeto social e requisitos técnicos
Começamos a análise dos remédios do marco legal com uma categoria peculiar: os desatentos. Não agem com dolo, não falsificam documentos nem pretendem perturbar; mas, pela própria displicência, turbam o procedimento licitatório. São aqueles que se inscrevem sem perceber detalhes óbvios do edital que os excluiriam inevitavelmente. É entrar em campo sem chuteiras: não há má-fé, mas não há como jogar. É claro que aqui presumimos que o edital seja cristalino quanto aos requisitos. Um alerta ao próprio agente incumbido do Estudo Técnico Preliminar – ETP, porque se a missiva não for clara desde a manjedoura e até a redação final, o desatento deixa de ser culpado para se tornar vítima da má técnica da Administração. Supondo, então, um edital claro, responsabilidade primeira da administração, há mecanismos que funcionam como barreiras iniciais e educativas. O primeiro deles é a possibilidade de exigir declaração expressa de que o licitante atende aos requisitos de habilitação (art. 63, I). Trata-se de um pequeno embaraço: obrigar o incauto a afirmar aquilo que possivelmente não leu. O simples ato de consignar tal declaração pode ensejar a conveniência de uma segunda leitura das regras da disputa.
Um segundo recurso está na garantia de proposta (art. 58). Antigamente vedada no pregão pela Lei 10.520/2002 (art. 5ª, I), agora é possível em qualquer modalidade, desde que não supere 1% do valor estimado. Não é necessário fixar percentuais elevados: em muitas situações, um valor módico, como R$ 1.000,00, já basta para separar quem lê o edital de quem meramente acessou o certame. Se o orçamento for sigiloso, há outra vantagem, pois o valor fixo preserva o equilíbrio sem revelar a estimativa, mas dissuadindo a leviandade, pois a penalidade pela não apresentação de documentos é a perda da garantia (art. 58, §3º).
amostras – o que pode ser custoso – por não terem certeza de que o primeiro terá as dele rejeitadas.
Por fim, quanto à habilitação técnica, há três filtros cruciais. O primeiro é a verificação do objeto social: o contrato ou estatuto deve revelar pertinência e compatibilidade com o objeto licitado (art. 68, II). É uma análise subjetiva, mas importante: uma microempresa de confecção pode ser excelente no seu ramo, mas não está habilitada a disputar vigilância armada. A advertência é evitar o autismo da interpretação literal:
muitas vezes o objeto social é descrito em termos amplos e exigir a exata nominata do que consta no edital no ato constitutivo da empresa somente despertaria uma corrida por aditivos societários.
O segundo filtro são as autorizações legais específicas. Há certos setores, a exemplo de segurança privada (art. 4º da Lei 14.967/2024) e intermediação financeira (art. 10, X da Lei 4.595/1964), em que não basta existência jurídica com objeto pertinente: exige-se autorização para funcionar (art. 66). Sem ela, o licitante sequer deveria cogitar participar, pois estaria em exercício clandestino da atividade econômica. O terceiro filtro está na qualificação técnica por atestados de desempenho anterior. Se o ETP demonstrar que não basta uma “empresa do ramo”, mas requer-se uma com experiência comprovada, o edital pode exigir atestados relativos a parcelas de maior relevância técnica ou financeira, desde que superiores a 4% do valor estimado (art. 67, §1º).
Que fazer com os irresponsáveis: skin in the game
boa vontade. É preciso que se coloque, desde o início, ao alcance das consequências de sua eventual imprudência. A Lei nº 14.133/2021 oferece ferramentas para tanto. A já mencionada garantia de proposta (art. 58) é um primeiro degrau, mas pode se revelar insuficiente em objetos mais complexos. Para casos de maior envergadura, a lei autoriza a exigência de patrimônio líquido mínimo e índices financeiros específicos (art. 69). Esses requisitos funcionam como filtro adicional: só permanece no certame quem tem condições econômico financeiras de suportar a execução contratual. Uma outra possibilidade é exigir a exibição da relação dos compromissos assumidos que importem em diminuição de sua capacidade econômico-financeira (art. 69, §3º), embora a própria lei não se ocupe de esclarecer o que o pregoeiro deveria fazer com tal documento. A IN SEGES 5/2017 sugere que um doze avos dos contratos já assumidos não devem exceder o Patrimônio Líquido da empresa (item 11.1.”d”), uma alavancagem de doze vezes. Especificamente em serviços que envolvam manutenção ou assistência técnica contínua, admite-se ainda a fixação de distância máxima entre o estabelecimento da empresa e o local da execução do objeto (art. 40, §4º, combinado com art. 47, §2º). A medida visa garantir tempo de resposta adequado, evitando que a Administração fique refém de fornecedores que não têm condições logísticas de atender às demandas. Mas a regra não deve ser manejada como preferência geográfica de procedência.
Que fazer com os fraudadores: o subsistema de declaração de inidoneidade
é comum e não parece sequer ser estimulada. É preciso mudar esse panorama. As declarações importam, especialmente no campo dos negócios, que devem ser concluídos de boa-fé. A mentira intencional não pode escapar sorrateira pela burocracia estatal que deve estar atenta e preparada, apoiando os pregoeiros. Diante de indícios, a primeira providência é, portanto, lavrar o ocorrido em documento público, incluindo elementos probatórios mínimos. Na sequência, é devido formular notícia à polícia judiciária e ao Ministério Público. A responsabilização individual não é acessória: é essencial para que a tutela penal proteja o bem administrativo. Mas o combate aos fraudadores não se restringe ao certame específico em que a fraude toma lugar. O interesse que prevalece é o de toda a Administração Pública: impedir que o mesmo malfeitor continue a multiplicar prejuízos em diversos órgãos. É comum ouvir de pregoeiros o lamento de que um mesmo fraudador já havia frustrado contratações em diversos municípios vizinhos, mas ainda assim seguia habilitado a disputar novos certames, por falta de um mecanismo legal mais efetivo de exclusão. Daí a resposta óbvia: se perpetrou tantos malfeitos, por que ainda não teria sido declarado inidôneo? O instrumento central para enfrentamento dessa questão é o subsistema de apenamentos previsto na Lei nº 14.133/2021. O art. 156, III e IV, autoriza a sanção de suspensão e, em especial, a declaração de inidoneidade, assegurados o contraditório, a ampla defesa e a decisão por autoridade competente. Essa sanção projeta efeitos que podem ultrapassar o certame e mesmo o órgão sancionador, impedindo o licitante de atuar perante toda a Administração Pública. Outro reclamo amiúde arvorado, mas improcedente, é o argumento segundo o qual a declaração de inidoneidade seria inócua, posto que bastaria ao fraudador constituir nova personalidade jurídica. O ordenamento já se antecipou a esse expediente. O art. 160 da Lei nº 14.133/2021 autoriza a desconsideração da personalidade jurídica quando caracterizada a intenção de fraudar. A previsão não é novidade, reforçando mecanismos que existiam antes: o art. 14 da Lei Anticorrupção (Lei nº 12.846/2013) e, antes ainda, o art. 12, I a III, nas hipóteses de condenação por Improbidade Administrativa (Lei nº 8.429/1992), ambos permitindo o alcance dos responsáveis por trás da fachada societária.
O que considerar com parcimônia ou mesmo o que não fazer
III), em vez de indicar um “arremedo de torneio” destinado apenas a satisfazer uma mpercebida conveniência na prestação de contas.
O alerta desta vez se destina à advocacia pública: é necessário engajar na compreensão mdos objetivos da contratação e nas preocupações do gestor. Esse envolvimento permite ma produção acurada e segura da instrução processual, atenta ao especial caso da defesa da inexigibilidade, ao invés de mascará-la em um procedimento competitivo com exigências de habilitação excepcionais. Também merece parcimônia a utilização do pregão presencial, autorizado excepcionalmente pelo art. 17, §2º. Embora a lei ainda preveja o meio tradicional, o formato eletrônico é inquestionavelmente mais democrático, transparente e republicano. É o canal que arrecada maior participação e abrevia barreiras geográficas, ampliando a competitividade e integrando o Brasil. Ainda que algumas interpretações tentem ressuscitar o modelo presencial com base em silogismos jurídicos variados, a motivação quase sempre é frágil: o desejo de conhecer os licitantes face a face de antemão não é fundamento razoável para a restritividade. A modalidade presencial deve ser reservada a situações específicas, bem delineadas, excepcionais, sob pena de resvalar no cerceamento indevido da competitividade. Anote se que assim se conclui mesmo no âmbito das estatais, reguladas pela Lei 13.303/2016,
a despeito de a Lei 14133/2021 ter afastado a aplicação subsidiária que antes vigia, uma vez que essa interpretação se escora firmemente nos princípios maiores da Administração Pública. Por fim, há a questão da inversão de fases (art. 17, §1º). A regra geral, herdada do sucesso obtido pela modalidade “pregão”, é inverter: primeiro se disputa a proposta, depois se habilita o vencedor. Essa inversão trouxe celeridade e pragmatismo, reduzindo recursos protelatórios. Voltar à análise prévia da habilitação (ou seja, “desinverter”) pode parecer atraente para eliminar de antemão propostas inexequíveis, mas também sacrifica as vantagens procedimentais que a experiência brasileira consolidou. A lei confere a faculdade, mas recomenda-se que seja usada apenas em licitações cujo objeto tenha requisitos de execução especialmente complexos. Não deve ser considerada como reflexo de sobressalto ao temor dos aventureiros.
Conclusão
Antes de qualquer síntese, é preciso sublinhar uma distinção essencial: nem todo novo participante de uma licitação é um aventureiro. Os aventureiros, como visto, são os nocivos — seja por desatenção, irresponsabilidade ou fraude. Desorganizam o certame e comprometem a eficiência da contratação. Já o empreendedor dos mercados públicos, os “empreendedores”, pertencem a outra natureza: é aquele que busca expandir seus negócios, explorar novos ramos ou localidades, prover soluções inovadoras e competir de forma legítima. Este não deve ser repelido, mas acolhido. O sistema licitatório, afinal, existe para eles e para conferir a essas empresas ousadas o justo e republicano acesso aos mercados públicos. Quanto àqueles que de fato perturbam as licitações, divisam-se perfis distintos, desde o desatento até o fraudador, bem como adotar os remédios legais proporcionais a cada caso. A principal responsabilidade fica com os agentes públicos incumbidos de elaborar o Estudo Técnico Preliminar e de elaborar o instrumento convocatório, aplicando
parcimoniosamente o arcabouço jurídico com precisão e responsabilidade. Em suma, algumas conclusões: – A caução de proposta é medida legítima e eficaz: agora admitida em todas as modalidades (art. 58 da Lei 14.133/2021), serve como filtro simples para separar licitantes comprometidos daqueles que apenas testam a sorte. Fixada em valor módico, é pedagógica e evita maiores prejuízos, embora ainda necessite de cuidados quanto ao recolhimento, manejo e devolução, principalmente considerada a necessidade de sigilo
quanto às identidades dos licitantes. – A análise do objeto social, das autorizações legais e da qualificação técnica é indispensável: são mecanismos que permitem identificar os desatentos e excluí-los sem
arbitrariedade, resguardando a lisura do certame. – Uma maior exigência de comprometimento financeiro (“skin in the game”) pode orientar a habilitação econômico-financeira de casos mais graves: patrimônio líquido
mínimo e índices de solvência (art. 69) são instrumentos adequados para filtrar irresponsáveis que, mesmo cientes de sua inépcia, insistem em tentar a contratação. – A repressão ao fraudador exige firmeza: o subsistema sancionatório da Lei 14.133/2021 (art. 156, III e IV) e a possibilidade de desconsideração da personalidade jurídica (art. 160) são recursos necessários para expurgar do mercado empresas e indivíduos que agem com dolo contra a Administração. A comunicação imediata ao Ministério Público e à polícia judiciária reforça essa estratégia. – Medidas restritivas sempre devem ser cogitadas com parcimônia: a pré-qualificação (art. 80), a inversão de fases (art. 17, §1º) e, sobretudo, o pregão presencial (art. 17, §2º) não devem ser usados como soluções automáticas contra aventureiros, pois desestimulam não apenas estes. Empregadas de modo impróprio, sacrificam a competitividade e a eficiência do sistema, sem surtir vantagens equivalentes. Só se justificam em situações peculiares e sempre mediante motivação suficiente.
Enfim, a Administração não deve confundir zelo com restrição. Os instrumentos de mexclusão existem, mas sua aplicação deve ser pautada pela proporcionalidade, pela motivação e pelo interesse público. O que se almeja não é um certame blindado contra toda e qualquer surpresa, mas uma arena transparente e justa, em que apenas os aventureiros indesejados – os desatentos, os irresponsáveis e os fraudadores – sejam adequadamente desestimulados, enquanto os aventureiros legítimos encontrem espaço para empreender e disputar os contratos públicos, inovando.
* Alexandre Manir Figueiredo Sarquis é Conselheiro Substituto-Auditore.