A nova Lei de Licenciamento Ambiental e os desafios para os municípios
07.10.2025 – Direito Público

O licenciamento ambiental, previsto na Política Nacional de Meio Ambiente (Lei nº 6.938/1981), consolidou-se como um dos principais instrumentos de gestão para compatibilizar desenvolvimento socioeconômico e proteção ambiental. A Constituição de 1988 reforçou esse papel ao exigir licenciamento para atividades potencialmente poluidoras (artigo 225, §1º, IV), cujas competências administrativas da União, estados e municípios foram detalhadas pela Lei Complementar nº 140/2011.
Historicamente, a regulamentação do licenciamento ambiental se apoiou em normas do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), como a Resolução nº 01/1986 (que instituiu o EIA/RIMA), a Resolução nº 237/1997 (que estabeleceu procedimentos gerais de licenciamento) e a Resolução nº 09/1990 (sobre audiências públicas). Essas regras formaram a base até a recente aprovação da Lei nº 15.190/2025, chamada de Lei Geral do Licenciamento Ambiental (LGLA).
Aprovada em 8 de agosto de 2025, a LGLA só entrará em vigor em 4 de fevereiro de 2026, em razão da vacatio legis de 180 dias prevista em seu artigo 67, sendo a única exceção: a Licença Ambiental Especial (LAE), cuja aplicação foi antecipada pela Medida Provisória nº 1.308/2025. Assim, os aspectos discutidos neste artigo projetam-se a partir dessa futura vigência.
Regra de transição
Para contemplar o princípio da continuidade e eficiência no serviço público, o artigo 60 da LGLA estabelece que os processos de licenciamento em curso, quando da entrada em vigor da lei, não precisarão reiniciar suas etapas. As obrigações e cronogramas já estabelecidos serão respeitados. Entretanto, as etapas subsequentes terão de se ajustar à nova lei.
Em termos práticos, pode-se exemplificar que um processo que em fevereiro/2026 já tenha concluído o termo de referência e esteja em fase de EIA/Rima seguirá sob as regras antigas até concluir essa etapa. Mas a partir da análise técnica, audiências públicas ou emissão de licença deverão observar integralmente a LGLA.
Competência municipal: retrocessos em sua autonomia
A LC 140/2011 já previa o licenciamento de impacto local pelos municípios (artigo 9º, XIV, ‘a’), além de sua manifestação obrigatória em processos conduzidos por estados e União (artigo 13, §1º). Nesse contexto, a LGLA deveria seguir na linha do respeito a autonomia municipal. No entanto, a retirada da Certidão de Uso do Solo como requisito do licenciamento (artigo 17 da LGLA) apresenta grave retrocesso, eis que fragiliza a integração entre licenciamento ambiental e planejamento urbano e políticas públicas a ele relacionadas como a ambiental, ignorando competências constitucionais municipais (CF, artigos 30 e 182; Estatuto da Cidade, Lei nº 10.257/2001).
A título ilustrativo, em cidades com Planos Diretores e legislação ambiental robustas, como São Paulo, Belo Horizonte e Curitiba, diretrizes urbanísticas podem ser sobrepostas por decisões de órgãos licenciadores estaduais ou federais, gerando insegurança jurídica e potencial conflito entre políticas de uso do solo e licenciamento ambiental (FARIAS, 2019; MACHADO, 2017).
Modelos simplificados: risco de fragilização
A LGLA introduz mecanismos de simplificação, como o licenciamento ambiental por adesão e compromisso (LAC) e o licenciamento ambiental especial (LAE) para projetos estratégicos.
Embora voltados à celeridade, esses modelos reduzem a análise técnica e a participação social. O LAC, por exemplo, permite autodeclaração para atividades de médio impacto, como obras viárias e empreendimentos agropecuários, sem avaliação prévia de riscos. O licenciamento especial, ao centralizar a decisão em rito monofásico, pode ser capturado por pressões políticas[1].
Neste sentido, trazemos à baila vários alertas como da Comissão Tripartite Nacional [2], da Associação de Municípios e Meio Ambiente (Anamma) [3] e do e do Ministério Público Federal, em Nota Técnica de 2025 recomendando veto a mais de 30 dispositivos da LGLA[4], ainda durante a tramitação legislativa e nas decisões de eventuais vetos presenciais, que já apontavam riscos de violação ao princípio da precaução (CF, artigo 225), além do aumento da judicialização — riscos que permanecem atuais com a aprovação da LGLA.
Participação social enfraquecida
A nova lei reduz a participação da sociedade civil no processo ao prever no artigo 36 apenas uma audiência pública obrigatória, ficando a realização de mais encontros a critério da autoridade licenciadora. Além disso, a lei não menciona os conselhos municipais de meio ambiente, instâncias fundamentais de controle social e gestão democrática nas cidades.
Esse silenciamento contraria o artigo 225 da Constituição, que assegura à sociedade o direito de participar das decisões ambientais. O resultado é a perda de legitimidade social e de efetividade do licenciamento.
Desvinculação com a agenda climática
Outro ponto crítico é a ausência da variável “clima” na LGLA, ao ignorar a Política Nacional sobre Mudança do Clima (Lei nº 12.187/2009) e compromissos internacionais assumidos pelo Brasil, como a Agenda 2030 da ONU e o Acordo de Paris.
Ao desconsiderar os impactos das atividades licenciadas sobre emissões e adaptação climática, o texto legal distancia o país de sua própria estratégia de transição ecológica.
Perspectivas para os municípios
Para os municípios, a LGLA apresenta um paradoxo. De um lado, amplia responsabilidades administrativas; de outro, retira instrumentos essenciais de integração com políticas urbanas e ambientais.
Sem fortalecimento institucional — equipes técnicas capacitadas, fundos ambientais estruturados e mecanismos de cooperação intermunicipal —, a lei pode ampliar desigualdades regionais. Municípios mais preparados tem maior chance de gerir os novos procedimentos; os demais ficarão dependentes das decisões estaduais ou federais, perdendo protagonismo e enfraquecendo a gestão de seus territórios.
Conclusão
A Lei nº 15.190/2025 marca um divisor de águas no licenciamento ambiental brasileiro. Mas ao priorizar a simplificação em detrimento da análise técnica, da participação social e da integração com agendas urbanas e climáticas, a lei fragiliza justamente os pilares que sustentam a gestão ambiental democrática e eficiente.
Sua efetiva aplicação, a partir de fevereiro de 2026, exigirá esforço conjunto de municípios, órgãos ambientais e sociedade civil para reconstruir, na prática, os mecanismos de proteção previstos pela Constituição.
Se o objetivo declarado é oferecer segurança jurídica ao setor produtivo, o risco é paradoxal: a judicialização pode aumentar diante de uma lei que reduz salvaguardas técnicas e sociais.
Fonte: Consultor Jurídico – 06.10.2025