Aplicabilidade e abrangência da reforma do processo administrativo.
06.08.2024 – Direito Público.

A proposta de reforma do processo administrativo federal, conforme o Projeto de Lei nº 2.481, de 2022, apresenta um aspecto relevante e controverso: a aplicabilidade da nova legislação a todos os níveis de governo, incluindo União, estados, Distrito Federal e municípios. Esse ponto levanta questões importantes sobre a autonomia dos entes federados e a possível afronta à decisão do Supremo Tribunal Federal no Recurso Extraordinário 1.188.352, que reforça a capacidade normativa dos entes subnacionais. Este artigo discute essas questões, analisando os impactos jurídicos e institucionais da medida.
A proposta de reforma altera a Lei nº 9.784/1999 para instituir o Estatuto Nacional de Uniformização do Processo Administrativo, aplicável a todas as esferas governamentais. A intenção é criar uma norma geral que padronize os procedimentos administrativos, visando maior coesão e integração. Contudo, essa abrangência pode ser vista como uma ingerência na autonomia dos estados e municípios, uma vez que impõe uma uniformidade que pode não considerar as especificidades locais.
Limite para a intervenção da União
O princípio federativo assegura a autonomia dos estados e municípios para legislar sobre questões de interesse local, incluindo a administração pública. No Recurso Extraordinário 1.188.352, o STF reafirmou essa autonomia, determinando que os entes subnacionais têm competência para editar normas próprias sobre procedimentos administrativos, desde que não conflitem com a Constituição e as leis federais de normas gerais.
A decisão da Corte Suprema é crucial, pois estabelece um limite claro para a intervenção da União nos assuntos de competência dos estados e municípios. Ao determinar a autonomia normativa dos entes subnacionais, o STF protege a descentralização do poder e garante que as especificidades regionais sejam respeitadas. Qualquer legislação federal que tente uniformizar procedimentos administrativos pode ser questionada à luz dessa decisão, caso ultrapasse os limites da competência normativa estabelecida.
Vantagens e riscos
A uniformização dos procedimentos administrativos tem vantagens evidentes, como a redução de disparidades, maior eficiência e previsibilidade das ações governamentais. No entanto, ao impor um modelo único a todos os entes federados, a proposta pode ignorar as particularidades locais e regionais, que são essenciais para uma administração pública efetiva e adaptada às necessidades específicas da população.
A proposta de aplicabilidade universal da reforma pode ser interpretada como um conflito de competências, desrespeitando a autonomia legislativa dos estados e municípios. Essa uniformização imposta pode ser vista como uma centralização excessiva, contrária ao espírito federativo e à jurisprudência consolidada pelo STF. A autonomia dos entes federados é um pilar fundamental do federalismo brasileiro, e qualquer tentativa de uniformização deve respeitar os limites constitucionais.
Para garantir o respeito à autonomia dos entes federados e uma regulamentação flexível, a reforma deve prever mecanismos que permitam adaptações locais, considerando as peculiaridades regionais. A criação de diretrizes gerais que forneçam um quadro normativo comum, mas que deixem espaço para que estados e municípios desenvolvam seus próprios procedimentos administrativos, alinhados às normas federais, mas adaptados às suas realidades específicas, é essencial. Além disso, consultas públicas e audiências específicas para ouvir os entes federados antes da implementação de normas gerais podem assegurar que suas necessidades e particularidades sejam consideradas.
Conclusão
A abrangência da proposta de reforma do processo administrativo federal, ao aplicar-se a todos os entes federados, suscita importantes debates sobre a autonomia dos estados e municípios. Embora a uniformização possa trazer benefícios em termos de eficiência e coesão, é fundamental que essa medida respeite o princípio federativo e a decisão do STF. A legislação deve buscar um equilíbrio que permita a padronização dos procedimentos administrativos, sem comprometer a capacidade normativa dos entes subnacionais. Para isso, é necessário um diálogo aberto e contínuo com todos os níveis de governo, assegurando que a reforma atenda aos princípios constitucionais e às necessidades específicas de cada região.
Fonte: Consultor Jurídico – 05.08.2024