CONAM NA IMPRENSA – A reforma da Lei de Improbidade
04.11.2021 – Conam na Imprensa
Por Isabela Giglio *
A partir da reforma da Lei de Improbidade, muitos vêm afirmando, entre outros disparates, que ficou garantida a impunidade dos políticos no Brasil. Fake news.
É preciso desmistificar a reforma: a Lei de Improbidade continua sendo um importante e rigoroso instrumento de combate à corrupção do qual decorre a imposição de severas penas aos desonestos de plantão.
O que fez a reforma foi corrigir a distorção de conceitos indevidamente constantes da Lei, buscando lhe conferir o necessário rigor técnico, pois a prática demonstrou que a utilização incorreta do diploma causou transtornos irreparáveis. E os argumentos não são políticos, mas tão somente jurídicos.De fato, é preciso separar o que funcionou bem do que não funcionou bem ao longo desses 29 anos de vigência da Lei nº 8.429/1992.
Uma das modificações mais importantes realizadas pela reforma foi a necessidade de dolo para a configuração da improbidade. Antes, mesmo que não houvesse dolo na conduta, o agente poderia ser penalizado por improbidade, ou seja, se admitia improbidade na modalidade culposa.
Improbidade significa desonestidade. Todo desonesto sabe o que está fazendo, ou seja, tem consciência da sua conduta e tem a vontade de alcançar o resultado, o que traduz o dolo. Nada mais adequado, portanto, que o dolo seja o elemento primordial para a configuração do ato de improbidade, e não a culpa.
A culpa se revela quando há falta de cuidado, falta de atenção, indiferença em relação ao ato praticado; ou inaptidão técnica, falta de habilidade para o exercício profissional. Quem age dessa forma não pode ser apenado por improbidade. Para isso existem outras leis com previsão de responsabilidade administrativa, civil e criminal, sendo disparate falar em impunidade (2).
Por isso, o STJ, ao se referir à Lei de Improbidade, já decidiu que “a Lei alcança o administrador desonesto, não o inábil” (REsp n.º 213.994).
A improbidade guarda semelhança com corrupção, com desvio de caráter; o conceito já traz em si um conteúdo mínimo de má-fé, pressuposto de um desvio ético no comportamento do agente, que importará a transgressão de forma consciente e voluntária, o que traduz o dolo. Também não se admite gradação, ou seja, não se concebe a ideia de haver um agente público “meio honesto” ou “mais ou menos honesto”, ou que seja desonesto sem ter consciência de que o foi ou sem saber que do seu comportamento adviria o resultado atentatório à moralidade.
Aliás, conceber a “improbidade culposa” com a imposição de duras penas, como a indisponibilidade de bens e a cassação dos direitos políticos, acabou por afugentar grande parte de bons gestores da Administração Pública. Na prática, houve uma banalização da utilização da Lei de Improbidade, com profusão de inquéritos e de ações, o que ocorreu por “culpa” da própria Lei. Por isso, a reforma já veio tardia. Mas antes tarde do que mais tarde.
Para dirimir quaisquer dúvidas, a nova Lei 14.230/2021 trouxe a definição de dolo, contribuindo para diminuir os conflitos na sua aplicação.
De fato, houve uma preocupação grande em eliminar a insegurança jurídica até mesmo ao serem delimitados quais são os comportamentos que violam os deveres de honestidade, de imparcialidade e de legalidade e que constituem ato de improbidade administrativa, diversamente do que ocorria antes, em que praticamente qualquer conduta poderia ser forçosamente enquadrada como violadora de princípios e, portanto, ato de improbidade.
A reforma constitui, outrossim, um grande avanço para a realização da Justiça e para que os bons gestores, aqueles efetivamente dedicados à realização do interesse público, possam fazê-lo com o mínimo de tranquilidade. Aos desonestos, a Lei continua a servir como instrumento de coerção e, sem dúvida, permanecerá contribuindo para a busca da moralidade no trato com a coisa pública.
Advogada, Consultora Jurídica da Conam | isabela.giglio@conam.com.br
Fonte: Diário do Comércio.
https://diariodocomercio.com.br/opiniao/a-reforma-da-lei-de-improbidade/