PGR defende que Tribunais de Contas não têm competência para declarar inconstitucionalidade de leis
30.11.2023 – Servidor Público.

A procuradora-geral da República, Elizeta Ramos, enviou nessa terça-feira (28) ao Supremo Tribunal Federal (STF) manifestação em agravo regimental na qual defende a ilegitimidade do Tribunal de Contas dos Municípios de Goiás (TCM/GO) para declarar leis inconstitucionais. Para a PGR, o controle de constitucionalidade é função exclusiva do Poder Judiciário. A manifestação foi no Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 1.208.460/GO.
No parecer, a PGR também defende que o caso – que foi afetado ao Plenário da Corte após questão de ordem suscitada pelo ministro Gilmar Mendes na Segunda Turma – seja julgado dentro da Sistemática da Repercussão Geral e que a decisão passe a valer para os Tribunais de Contas de todo o Brasil em âmbitos federal, estaduais, distrital e municipais. No entendimento de Elizeta Ramos, os Tribunais de Contas devem fazer apenas o exercício da atribuição de controle concreto da regularidade dos atos administrativos e negar efeitos em específico a normas reconhecidas como inconstitucionais, desde que com fundamento e em observância à jurisprudência do Tribunal competente para exercer o controle abstrato da constitucionalidade.
Em decisão monocrática, o ministro Edson Fachin deu provimento ao recurso extraordinário ajuizado pelo Estado de Goiás contra o acórdão do Tribunal de Justiça de Goiás (TJGO) e reconheceu a legitimidade do TCM/GO para determinar aos órgãos sujeitos à sua fiscalização o afastamento de atos administrativos baseados em leis consideradas inconstitucionais.
A procuradora-geral da República defende que a controvérsia sobre os limites da atuação dos Tribunais de Contas “detém densidade constitucional apta a evidenciar a repercussão geral, eis que presente acentuado interesse público, dos pontos de vista jurídico, social e político, com reflexos que se irradiam por toda a sociedade”. A PGR entende que os Tribunais de Contas não têm competência para, sob qualquer modalidade ou terminologia, fazer o controle de constitucionalidade de leis e atos normativos primários. Elizeta Ramos ressalta que, apenas ao Poder Judiciário, mediante provocação, foi atribuído pela Constituição Federal a legitimidade para declarar a inconstitucionalidade das normas que contrariem seus preceitos.
Segundo a PGR, apesar de não existir submissão dos Tribunais de Contas aos demais Poderes e eles terem autonomia para análise técnica da função de controle externo, deve ser estabelecido, à luz do princípio da separação dos Poderes, limite aos atos de verificação, fiscalização e julgamento de contas, de acordo com o artigo 71 da Constituição Federal. Da norma se extrai que “os Tribunais de Contas não têm, assim, competência para declarar a inconstitucionalidade de atos normativos primários”. No parecer, Elizeta Ramos salienta, ainda, que a competência constitucional desses tribunais está limitada à prática de atos de fiscalização contábil, financeira e orçamentária relacionada à hipótese sob exame, não tendo essas Cortes legitimidade para decidir com efeitos que extrapolem o caso concreto.
Enunciado antigo – No recurso extraordinário, o Estado de Goiás defende que os Tribunais de Contas, quando no exercício de suas atribuições, podem determinar à Administração pública direta e indireta a não aplicação de lei por considerá-la incompatível com a Constituição Federal. O ente se utiliza do Enunciado 347 da Súmula do STF, de 1963. Segundo a norma, “o Tribunal de Contas, no exercício de suas atribuições, pode apreciar a constitucionalidade das leis e dos atos do poder público”.
Mas, para Elizeta Ramos, caso essa argumentação seja aceita, as Cortes de Contas acabariam se colocando em posição maior do que a de órgão auxiliar de controle externo do Poder Legislativo, pois passariam a controlar a própria atividade daquele Poder, ao passo que estariam considerando que determinadas leis e atos normativos ofendem a Constituição e não devem ser aplicadas pelos gestores públicos. Segundo a PGR, o controle de constitucionalidade pelos Tribunais de Contas extrapolaria não somente os poderes que lhe são constitucionalmente atribuídos, mas também invadiria a competência constitucional do tribunal com atribuição para o controle concentrado.
Na manifestação, a PGR aponta que o próprio STF tem reiterados posicionamentos nesse sentido, decidindo que os Tribunais de Contas não podem declarar a inconstitucionalidade de ato normativo com efeitos erga omnes (para todos) e vinculantes. Em um dos julgamentos, a Suprema Corte apontou que esse controle de constitucionalidade, além de exercício não permitido de função jurisdicional, usurpa as competências constitucionais exclusivas tanto do STF quanto do Senado Federal.
“Nesses casos, as Cortes de Contas acabariam se colocando em posição maior do que a de órgão auxiliar de controle externo do Poder Legislativo, na medida que passariam a controlar a própria atividade daquele Poder. [..] Extrapolariam, assim, a autotutela administrativa para assumir posição de intérprete original e antecedente da Carta Magna e das leis, retirando tal prerrogativa do próprio Parlamento”, diz trecho do parecer. Em razão disso, Elizeta Ramos pede que o Enunciado 347 da Súmula do STF seja cancelado, uma vez que não se compatibiliza com os comandos constitucionais pertinentes, tampouco com a interpretação dada pelo próprio STF à matéria.
Sugestão de teses – No parecer, a PGR opina pelo provimento do agravo regimental para que, reconhecida a repercussão geral do tema, seja desprovido o recurso extraordinário com agravo. Ao final, Elizeta Ramos apresenta as seguintes sugestões de tese à Corte Suprema:
I) É vedado aos Tribunais de Contas realizar o controle de constitucionalidade, sob qualquer modalidade ou nomenclatura, de leis e de atos normativos primários editados por órgãos constitucionais autônomos com atribuição regulamentar;
II) É permitido aos Tribunais de Contas, apenas no exercício da atribuição de controle concreto da regularidade dos atos administrativos, negar efeitos em específico a normas reconhecidas como inconstitucionais, desde que com fundamento e em observância à jurisprudência do Tribunal competente para o exame da constitucionalidade em abstrato da norma afastada.
Entenda o caso – O caso em julgamento envolve uma ação declaratória de nulidade de um ato do TCM/GO, que declarou inconstitucional leis do município de Chapadão do Céu, que tratavam da revisão anual dos salários de servidores, vereadores e prefeitos em 2005 e 2006. No julgamento, a prestação de contas do prefeito foi rejeitada. O ex-chefe do Executivo municipal recorreu, a Justiça julgou procedente a ação e reconheceu a nulidade dos atos do Tribunal de Contas. O Estado de Goiás recorreu da decisão, mas o Tribunal de Justiça decidiu pela manutenção da sentença, reiterando o entendimento de que não teria o Tribunal de Contas legitimidade para apreciar a constitucionalidade de leis, por ser essa função privativa do órgão jurisdicional competente.
Íntegra da manifestação no Agravo Regimental no ARE 1.208.460/GO
Fonte: MPF – 29.11.2023