TCE-PR esclarece comprovação de MEs e EPPs para cota preferencial em licitação
21.10.2022 – Licitação e Contrato.

Cabe ao município a regulamentação, em seu âmbito, sobre a forma de comprovação da condição de Microempresa Individual (MEI), Microempresa (ME) ou Empresa de Pequeno Porte (EPP) para fins de enquadramento em cota preferencial em licitação. No entanto, não se deve exigir que a declaração de enquadramento seja firmada por contador; basta a assinatura do representante legal da empresa.
Os documentos exigidos das MEIs para qualificação técnica devem estar em consonância com o mínimo necessário para a execução do objeto; e devem ser os mesmos exigidos para as pessoas jurídicas.
Entretanto, a instituição de preferências que alterem a ordem legal de pagamento dos débitos municipais extrapola a competência legislativa local, ainda que o pretexto para tanto seja a ampliação dos benefícios da Lei Complementar (LC) nº 123/06 (Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte – ME e EPP).
As MEIs, MEs e EPPs podem, na qualidade de subcontratadas, receber diretamente o pagamento do poder público. Além disso, a apresentação da certidão simplificada dessas empresas pode ser feita pela empresa proponente na fase de habilitação.
Todo o processo licitatório deve ser disponibilizado no tempo necessário à sua inserção na internet. Somente devem ser resguardados eventuais documentos que possuam, conforme previsão legal, publicidade diferida.
É possível priorizar as compras de produtos da cota reservada às MEIs, MEs e EPPs, desde que o preço não seja superior ao da cota principal; e a formalização do reajuste de preços, conforme previsto no contrato, pode ocorrer por apostilamento.
Essa é a orientação do Pleno do Tribunal de Contas do Estado do Paraná (TCE-PR), em resposta à Consulta formulada pelo Município de Fazenda Rio Grande (Região Metropolitana de Curitiba), por meio da qual questionou o posicionamento do TCE-PR quanto às políticas públicas de tratamento diferenciado às MEIs, MEs e EPPs.
Instrução do processo
A Coordenadoria de Gestão Municipal (CGM) do TCE-PR entendeu que cabe ao município a regulamentação sobre a forma de comprovação da condição de MEI, ME e EPP em seu âmbito. Além disso, afirmou que os documentos exigidos para a qualificação técnica dessas empresas devem representar o mínimo necessário para a execução do objeto e devem ser os mesmos requisitados das pessoas jurídicas.
A unidade técnica ressaltou que é possível o pagamento direto aos subcontratados enquadrados como MEI, ME e EPP; a certidão simplificada da Junta Comercial pode ser exigida na fase de habilitação; e todo o procedimento licitatório deve ser disponibilizado, inclusive a sua fase interna, no tempo necessário à sua inserção no Portal da Transparência, com o resguardo dos documentos que tenham a publicidade diferida.
A CGM destacou que é possível priorizar as compras de produtos da cota reservada nas atas de registro de preços, desde que haja previsão no instrumento convocatório e o preço não seja superior ao da cota principal. Também salientou que o mero reajuste de preços previsto no contrato pode ser realizado através de apostilamento.
O Ministério Público de Contas (MPC-PR) concordou com o posicionamento da CGM. Mas acrescentou que extrapola a competência legislativa local a instituição de preferências que alterem a ordem legal de pagamento dos débitos municipais, ainda que isso ocorra a pretexto de ampliar os benefícios da LC nº 123/06
Legislação e jurisprudência
O inciso XXI do artigo 37 da Constituição Federal (CF/88) fixa que, ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.
O item “d” do inciso III do artigo 146 da CF/88 dispõe que cabe a lei complementar estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre definição de tratamento diferenciado e favorecido para as MEs e às EPPs.
O inciso IX do artigo 170 da CF/88 estabelece que a ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos a existência digna, conforme os ditames da justiça social, observado, entre outros, o princípio do tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no país.
O artigo 179 do texto constitucional fixa que a União, os estados, o Distrito Federal e os municípios dispensarão às MEs e às EPPs, assim definidas em lei, tratamento jurídico diferenciado, visando a incentivá-las pela simplificação de suas obrigações administrativas, tributárias, previdenciárias e creditícias, ou pela eliminação ou redução destas por meio de lei.
O artigo 47 da LC nº 123/06 expressa que “nas contratações públicas da administração direta e indireta, autárquica e fundacional, federal, estadual e municipal, deverá ser concedido tratamento diferenciado e simplificado para as microempresas e empresas de pequeno porte objetivando a promoção do desenvolvimento econômico e social no âmbito municipal e regional, a ampliação da eficiência das políticas públicas e o incentivo à inovação tecnológica.”
Os incisos I, II e III do artigo seguinte (48) fixam que, para o cumprimento do disposto no artigo 47, a administração pública deverá realizar licitação destinada exclusivamente à participação de MEs e EPPs nos itens de contratação cujo valor seja de até R$ 330.000,00; poderá, em relação aos processos licitatórios destinados à aquisição de obras e serviços, exigir dos licitantes a subcontratação de ME ou EPP; e deverá estabelecer, em certames para aquisição de bens de natureza divisível, cota de até 25% do objeto para a contratação de MEs e EPPs.
O artigo 49 da LC nº 123/06 estabelece que as disposições dos artigos 47 e 48 não são aplicáveis se não houver um mínimo de três fornecedores competitivos enquadrados como MEs e EPPs sediados local ou regionalmente e capazes de cumprir as exigências estabelecidas no instrumento convocatório; o tratamento diferenciado e simplificado para as MEs e EPPs não for vantajoso para a administração pública ou representar prejuízo ao conjunto ou complexo do objeto a ser contratado; ou se a licitação for dispensável ou inexigível, nos termos da Lei nº 8.666/93 (Lei Geral de Licitações e Contratos), excetuando-se as dispensas em razão do valor, nas quais a compra deverá ser feita preferencialmente de MEs e EPPs, aplicando-se o disposto no inciso I do artigo 48.
O artigo 3º da Lei nº 8.666/93 dispõe que a licitação se destina a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia, a seleção da proposta mais vantajosa para a administração e a promoção do desenvolvimento nacional sustentável e será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos.
O inciso I do artigo 136 da Lei nº 14.133/21 (Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos) expressa que os registros que não caracterizam alteração do contrato podem ser realizados por simples apostila, dispensada a celebração de termo aditivo, quando houver variação do valor contratual para fazer face ao reajuste ou à repactuação de preços previstos no próprio contrato
O artigo 1º da Lei nº 19.581/18 dispõe que os órgãos estaduais e municipais da administração pública direta e indireta que realizarem processos licitatórios disponibilizarão a íntegra desses processos em tempo real em seus sites.
O parágrafo 2º do artigo 13 do Decreto nº 8.538/15 fixa que deverá ser exigida do licitante a ser beneficiado a declaração, sob as penas da lei, de que cumpre os requisitos legais para a qualificação como ME ou EPP, MEI, produtor rural pessoa física, agricultor familiar ou sociedade cooperativa, o que o tornará apto a usufruir do tratamento favorecido estabelecido do artigo 42 ao artigo 49 da LC nº 123/06.
O Decreto nº 9.412/18 atualizou os valores-limite para cada modalidade de licitação, estabelecidos no artigo 23 da Lei nº 8.666/93.
O Prejulgado nº 27 do TCE-PR estabelece que é possível, mediante expressa previsão em lei local ou no instrumento convocatório, realizar licitações exclusivas a MEs e EPPS sediadas em determinado local ou região, em virtude da peculiaridade do objeto a ser licitado ou para implementação dos objetivos propostos no artigo 47 da LC nº 123/06, desde que isso seja devidamente justificado.
O Acórdão nº 1200/19 – Tribunal Pleno do TCE-PR (Consulta nº 523366/18) expressa que os limites financeiros das modalidades licitatórias previstos na Lei de Licitações, devidamente atualizados por decreto do Poder Executivo Federal, também devem ser aplicados aos estados e municípios, de modo direto, sem a necessidade de qualquer providência pelos poderes estaduais ou municipais.
O Manual de Licitações do TCE-PR fixa que, apesar da possibilidade de que um mesmo objeto seja adjudicado por um determinado preço na cota principal e outro na cota reservada, ambos os preços não podem superar o que havia sido estimado pela administração pública.
Esse mesmo manual dispõe que, em relação à ordem de execução das cotas principais e das cotas reservadas do objeto, o ideal é que isso venha a ser regulamentado pelo ente, seja por lei, regulamento ou no próprio edital da licitação. Mas o documento destaca que, geralmente, fica estabelecido que a cota reservada será primeiramente executada, com a finalidade de garantir o tratamento favorecido e diferenciado às MEIs, MEs e EPPs.
Decisão
O relator do processo, conselheiro Ivan Bonilha, lembrou que o Prejulgado nº 27 do TCE-PR já evidenciara que a intenção do legislador ao formular a LC nº 123/06 era favorecer as MEs e EPPs, com tratamento diferenciado e simplificado como forma de incentivo, em atendimento à ordem econômica nacional, conforme disposições dos artigos 146 e 170 da CF/88.
Bonilha lembrou que a LC nº 123/06 não disciplina a maneira de se comprovar o atendimento das condições para enquadramento de empresas como MEI, ME ou EPP; mas que, no âmbito federal, a regulamentação do tema ocorreu com a edição do Decreto nº 8.538/15, segundo o qual se deve exigir do licitante apenas a apresentação da declaração de que cumpre os requisitos legais para tal enquadramento, sendo desnecessária a entrega de certidão expedida pela Junta Comercial.
O conselheiro frisou que a CF/88 dispõe que o processo de licitação somente permite as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações. Assim, ele entendeu que somente pode ser exigido do licitante aquilo que for indispensável.
O relator entendeu que não há embasamento legal para que seja dispensada a apresentação de Atestado de Capacidade Técnica apenas para os MEI; e afirmou que deve haver tratamento igualitário a todos os tipos empresariais.
Bonilha ressaltou que o gestor público deve ser impessoal na busca do atingimento da finalidade pública, sem favorecimentos indevidos. Assim, ele concluiu que excede a competência suplementar dos entes locais alterar a forma pela qual as despesas públicas são processadas, que é matéria de Direito Financeiro, sob pena de se usurpar a competência da União para legislar sobre normas gerais.
O conselheiro destacou que os subcontratados podem receber diretamente da administração pública o empenho e o pagamento, para conferir tratamento jurídico diferenciado e simplificado às MEIs, MEs, e EPPs, em atendimento aos fundamentos constantes no artigo 179 da CF/88 e na própria LC nº 123/06.
O relator reforçou que a apresentação da certidão simplificada pode ser feita pela empresa proponente na fase de habilitação, momento em que é averiguada sua capacidade em honrar os compromissos relacionados à execução do contrato.
Bonilha salientou que, conforme disposição da Lei nº 19.581/18, todo o processo licitatório deve ser disponibilizado no tempo necessário apenas à sua inserção na internet, com o resguardo somente de eventuais documentos que possuam, conforme previsão legal, publicidade diferida.
O conselheiro lembrou que não se aplicam os benefícios do artigo 48 da LC nº 123/06 quando não for vantajoso para a administração pública, ou quando isso representar prejuízo ao conjunto ou complexo do objeto a ser contratado. Assim, ele concluiu que é possível priorizar as compras de produtos da cota reservada apenas quando o preço não for superior ao da cota principal.
Finalmente, o relator explicou que o apostilamento é o ato administrativo por meio do qual se efetua a anotação ou o registro que não resulta em modificação das bases contratuais, utilizado para registrar variações, como reajustes e compensações, que não possam ser caracterizadas como alterações do contrato.
Os conselheiros aprovaram o voto do relator por unanimidade, na Sessão nº 13/22 do Plenário Virtual do Tribunal Pleno do TCE-PR, concluída em 29 de setembro. O Acórdão nº 2210/22 – Tribunal Pleno foi disponibilizado em 5 de outubro, na edição nº 2.848 do Diário Eletrônico do TCE-PR (DETC). O trânsito em julgado da decisão ocorreu em 17 de outubro.
Serviço
Processo nº: | 323786/19 |
Acórdão nº | 2210/22 – Tribunal Pleno |
Assunto: | Consulta |
Entidade: | Município de Fazenda Rio Grande |
Relator: | Conselheiro Ivan Lelis Bonilha |
Autor: Diretoria de Comunicação Social
Fonte: TCE/PR – 20.10.2022